sexta-feira, 13 de março de 2015

UMA VISITA À ILHA DA PÁSCOA



                                                              Olavo Rubens  Leonel Ferreira– 1985




                                   Fui convidado, juntamente com mais quatro pessoas, para fazer uma viagem de estudos à Ilha da Páscoa. O convite partiu da agência de viagens International House, dirigida pelo jovem lorenense Luiz Carlos Azevedo e da companhia de navegação aérea Lan Chile.

                                   Assim, eu e minha mulher Alceli saímos do Rio de Janeiro às 14h35min da tarde do dia 17 de setembro do corrente ano, num vôo rumo a Santiago do Chile, com duração de aproximadamente seis horas, com escalas em São Paulo e Montevidéu.

                                    O dia seguinte da nossa viagem, 18 de setembro, era a data da independência do Chile, sendo que já de manhã a cidade estava cheia de bandeiras nacionais tremulando nos carros, edifícios públicos e particulares.  Acordamos ao som de morteiros comemorativos da data e vimos, à distância, o desfile militar, uma vez que a polícia das ruas só deixava se aproximarem os portadores de senhas. Essas comemorações atrasaram bastante  a nossa ida ao aeroporto, a vinte e dois quilômetros da cidade, onde iríamos tomar o avião para a ilha da Páscoa.

                                     Quando chegamos ao aeroporto, a grande decepção: o nosso vôo estava cancelado devido a uma greve dos controladores de vôo do Pacífico, na cidade de Paapete, capital do Taiti.  Voltamos ao hotel e passamos o dia inteiro em Santiago.

                                      Passeios pelo Cerro de Santa Lúcia, onde nasceu a cidade, à Praça de Armas, à Igreja e Museu de São Francisco e outros locais: eis como passamos o dia nessa bela capital de edifícios neoclássicos.  No Mercado Persa, onde estivemos no fim da tarde, vimos um grupo folclórico dançando a “cueca”, uma dança nacional, sendo servido vinho à vontade para os assistentes.  À noite, passando pela rua San Antonio, onde ficava o nosso hotel, vimos a burguesia chilena lotando as dependências do Teatro Municipal, para assistir à ópera “Andréa Chenier”, de Umberto Giordano.

                                      No dia seguinte, 19 de setembro, finalmente, embarcamos às 13h30min rumo à Ilha da Páscoa.  Foram cinco horas sobrevoando o Pacífico.  Após uma hora de vôo, passamos pelo arquipélago de Juan Fernandez,  náufrago que inspirou Daniel Defoe a escrever o seu célebre “Robinson Crusoe” ( na verdade, Defoe fantasiou muito sobre a história real, pois consta que Fernandez foi encontrado quase morto de inanição e próximo à loucura...).  Depois, passamos quatro horas sem avistar terra nenhuma.

                                      Chegamos à ilha no meio da tarde.  Aterrissamos no aeroporto de Mataveri, que por sinal é pequeno e acanhado. Quando descemos do avião, esperavam a gente algumas jovens com trajes polinésicos, as quais colocaram nos nossos pescoços guirlandas de flores, à maneira havaiana. Na oportunidade, soubemos que esse único aeroporto da ilha será aumentado e sua pista acrescida de 431 metros, a fim de que nele pouse, em caráter de emergência, o ônibus espacial Colúmbia (trata-se de um acordo do governo do Chile com os Estados Unidos – como se vê, os americanos já estão chegando lá...).

                                      A Ilha da Páscoa, chamada Rapanui pelos habitantes locais, tem a forma triangular, com lados de 24, 16 e 18 quilômetros de extensão.  A sua origem é vulcânica: surgiu em meio a convulsões cataclísmicas no Pacífico, há três milhões de anos atrás.

                                      Pertencente ao Chile desde o ano de 1888, ela possui somente uma aldeia com aproximadamente 2.130 habitantes, Hanga Hoa.  Seus habitantes vivem da pesca, de uma incipiente agricultura e de esculturas de madeira, colares de conchas e outros produtos que oferecem aos turistas.

                                      A diferença de fuso-horário em relação ao Brasil é de três horas: às 19h15min da tarde, assistimos a um belo por-do-sol no Pacífico.  

                                      O cenário físico da ilha impressiona: toda a sua orla marítima é formada de falésias abruptas, de somente duas praias ( Anakena e Ovahe) e de uma escória vulcânica negra e retorcida que contrasta com o azul intenso do mar.  Existem muitos vulcões extintos na ilha, sendo que estes têm em suas crateras lagos profundos e azuis.  A vegetação é pouca: alguns bosques de eucaliptos retorcidos pelo vento constante da ilha, pequenos arbustos e, no mais, o predomínio de gramíneas.  Cabe ainda observar que o chão da ilha é de um vermelho escuro e recoberto em sua maior extensão por pedras vulcânicas resultantes de uma erosão milenar.

                                      Os caminhos insulares são difíceis, às vezes simples trilhas em meio à escória retorcida de pedras vulcânicas.  Em nossas andanças pelo seu território impressionou-nos, além dos contrastes entre o céu, a terra e o mar, mais nítidos e fortes devido à total ausência de poluição ambiental, as vastas planícies onde, debaixo das poucas árvores existentes, reuniam-se bandos de cavalos selvagens.

                                      A Ilha da Páscoa é uma terra misteriosa.  É famosa no mundo devido a alguns aspectos fascinantes da sua história.

                                       Descoberta em 1722 pelo holandês Jacob Roggeveen, nela se encontraram restos arqueológicos que até hoje espantam os seus visitantes.   A ilha apresenta, em grande parte do seu litoral, plataformas-túmulos denominadas “ahus”, tendo em seu cimo gigantes de pedra esculpidos em tufo vulcânico, denominados “moais”.  Não se sabe exatamente quando, por quem e por que foram construídos ( diz-se que os “moais” representavam os seus antepassados ). Agora, o mistério maior: descobriu-se que a grande oficina desses colossos de pedra localizava-se no vulcão Rano Raraku, onde até hoje se encontram muitos deles em fase de acabamento, sendo que, anos atrás, descobriu-se ali muitos cinzéis primitivos espalhados pelo chão. É como se os escultores líticos, que trabalhavam naquele útero de lava petrificada, tivessem fugido de repente do seu lavor na iminência de uma guerra ou cataclismo.

                                         Mas a grande pergunta é a seguinte: como foram essas estátuas transportadas até a dezesseis quilômetros de distância do Rano Raraku e como elas foram erguidas e colocadas nas plataformas-túmulos ao longo do litoral?  Um dado complementar: essas estátuas de pedra tinham até dez metros de altura ( a maior delas, em fase de acabamento no topo do vulcão, tinha vinte e dois metros ) e pesavam muitas toneladas.  Cabe ainda citar um requinte desses escultores prodigiosos: sobre cada “moai"        era ainda colocado um “chapéu” de pedra vermelha, o “pukao”, com cinco ou mais toneladas de peso...

                                          Contudo, não ficam aí os mistérios e segredos dessa ilha fantástica.  Na época da sua formação geológica, muitas bolhas e correntes de lava deram origem a uma infinidade de cavernas que, durante as guerras civis entre as tribos que ali existiam, abrigaram famílias inteiras.  Surgiram, dessa maneira, as “cavernas de família”, onde se esconderam prodigiosos tesouros arqueológicos.

                                           Entre os tesouros dessas cavernas, descobriram-se umas tabuletas de madeira chamadas “rongo-rongo”, que continham uma escrita até hoje indecifrada.  Dessas tabuinhas, existem somente duas dezenas nos museus do mundo inteiro.  Existirão ainda algumas delas em cavernas cujas entradas se perderam para sempre?

                                           Nosso primeiro passeio pela ilha foi ao já citado vulcão Rano Raraku, forja dos “moais” de tufo vulcânico.  Nessa imensa oficina lítica, foram feitos os setecentos colossos de pedra espalhados por toda a ilha. Lá chegando, vimos os quadros explicativos feitos por William Mulloy sobre a feitura e transporte dos mesmos, que são, entretanto, explicitações de meras hipóteses...

                                              Observamos, nas faldas do vulcão, um “moai” ajoelhado, um ídolo de características pré-incaicas, à maneira daqueles do centro megalítico de Tiahuanaco, encontrado pela expedição norueguesa de Thor Heyerdahl.  Após o exame de outros 150 monstros de pedra espalhados por ali, fomos à cratera do vulcão, no interior da qual avistamos um lago interior com juncos de totora em suas margens.  Avistamos, ainda, no cimo do vulcão, o já referido “moai” de 22 metros de comprimento.  Como se pretendia descê-lo daquelas alturas?

                                               Mais abaixo, vimos uma outra estátua gigantesca, junto a outras duas em fase de acabamento, ligada ao vulcão por um cordão umbilical de lava.

                                                Dali, fomos à planície de “Hotu-Iti”, onde o maremoto de 1960 destruiu uma plataforma com 15 estátuas.  Nessa planície vimos petróglifos de tartarugas e homens-pássaros.  Ao fundo, avistamos a península de “Poiké”, com as três colinas onde o navegante Felipe Gonzalez Y Haedo mandou erguer três cruzes, no ano de 1770.

                                                Passando pelo maior dos “ahus” da ilha, o de “Te pito o te kura”, localizado num lugar denominado “o umbigo do mundo”, chegamos a Anakena, uma baía e praia paradisíaca, tipicamente polinésica, onde teria desembarcado Hotu Matua, o heroi colonizador da ilha.  Nela, vimos um “ahu” reconstruído e o “moai” recolocado em sua plataforma por Thor Heyerdahl, com o concurso de descendentes de uma antiga família de ilhéus, chefiados por Pedro Atan, então alcaide da ilha ( 1956). Essa praia de Anakena, com os seus recifes de coral que impedem a proximidade de tubarões, é muita propícia aos banhos de mar e à permanência ao sol ou sob a sombra de dezenas de coqueiros.  Uma observação sobre  a presença de Heyerdahl na ilha: esse grande navegador e aventureiro norueguês, célebre pela expedição “Kon Tiki” de 1949, é autor de um delicioso livro sobre a ilha, denominado “Aku Aku”, onde defende a teoria do povoamento da ilha por polinésicos, que depois alcançaram as costas da América do Sul.

                                                No dia seguinte, visitamos o “Ahu Vinapu”, o mais antigo e impressionante da ilha, que se assemelha com as muralhas incaicas de Sacsayhuamán, nos arredores de Cuzco, no Peru.  A ligeira convexidade da muralha e as suas laterais arredondadas parecem-se demais com obra dos canteiros incas, salientando-se a existência de pedras acamadas, ou seja, superpostas de maneira a evitar a sua destruição por terremotos, como aquelas encontradas nos muros cuzquenhos.

                                                 Cabe aqui observar que a maioria dos “ahus” da ilha apresentam os seus “moais”  derrubados, resultado de uma época de guerras entre as tribos da ilha ( resultado da luta entre os “orelhas curtas” e os “orelhas compridas”, essa derrubada foi denominada de “hurimoai” pelos nativos).

                                                  Fomos em seguida ao vulcão Rano Kao.  Nas suas encostas abissais, estivemos na aldeia cerimonial de Orongo, com as suas 47 habitações de pedra, passagens estreitas e corredores.  Lá, na proximidade da primavera, habitavam os participantes das festividades do “Tangata-manu” ou “homem pássaro”.  Eram escolhidos pelos sacerdotes aqueles “matato’as” ou chefes de guerra que se candidatavam ao título de homem-pássaro do ano.  Acontecia o seguinte: esses “matato’as” queriam para si esse título de homem-pássaro que simbolizava poder e prestígio entre os seus.  Para tanto, enviavam para as falésias altíssimas do vulcão, cujas faces  lindavam  com o oceano, servidores denominados “hopu-manu”, que mergulhavam lá de cima e iam nadando em direção a três ilhotas que se avistavam daquelas alturas.  Estes deveriam obter na maior das ilhotas, “Moto-Nui”, o primeiro ovo da “manutara” ou andorinha do mar.  Nesse ovo estava representado o principal deus pascoano, “Make Make”. O “matato’a” cujo servidor primeiro encontrasse esse ovo seria a personificação do deus, o homem-pássaro do ano.    Essa era uma aventura temerária, pois o curto percurso marítimo até as ilhotas era infestado de tubarões.  Assim, o corajoso “hopu manu” voltava à Ilha da Páscoa com o primeiro ovo de andorinha que encontrava nos ninhos de “Moto-Nui”, preso à sua testa por uma espécie de tiara feita  de fibra de árvore chamada “tapa”.  Esse culto é também encontrado em muitas culturas sob várias formas – veja-se a ressurreição de Osíris na mitologia egípcia, representando as cheias do Nilo, e de Dionísio na Grécia,  exemplos que nos vêm à mente, representando uma forma de se comemorar o renascimento da natureza na primavera e, quiçá, a ressurreição do homem após a morte...

                                                  Visitamos em seguida o “Ahu Tahai”, talvez o conjunto arquitetônico mais impressionante da ilha.  Este, foi reconstruído pelo arqueólogo norte-americano “William Mulloy  ( 1910-1978), que tem ali as suas cinzas  enterradas.  Perto desse “ahu” localiza-se o museu “Padre Sebastian Englert” onde vimos, entre muitas coisas, uma importante descoberta sobre a feituras dos “moais”.  Trata-se do achado arqueológico feito pelo antropólogo Sergio Rapu, hoje governador da ilha ( é o primeiro nativo a sê-lo): ele encontrou na praia de Anakena, junto ao “ahu Nau-Nau”, no ano de 1978, vários olhos de “moais”.  É a primeiras vez que se descobre isso – acreditava-se que os colossos de pedra não tivessem olhos.  Vimos que as córneas eram feitas de corais e as íris de obsidiana ou “rani-rani”, uma pedra vermelha.

                                                   Como na Ilha da Páscoa venta muito, prejudicando-se assim a vegetação e o cultivo de legumes e frutas, os nativos construíram, nas proximidades do “ahu Te Peu”, “jardins de profundidade”, extensos jardins e pomares plantados dentro de cavernas que têm mais de um quilômetro de extensão.  Neles, vimos plantados figos, bananeiras, tabaco, uvas etc.

                                                   A nossa última visita foi ao “ahu Akivi”, com os seus famosos sete moais reconstruídos que fitam o mar ( os demais “moais” da ilha estão de costas voltadas para o oceano ).  Estes representariam os sete amigos que o rei Hotu Matua enviou para reconhecimento da Ilha da Páscoa, antes da sua vinda.  Os gigantes de pedra estariam fitando a “Terra de Hiva”, lendário lugar de origem desse heroi colonizador.

                                                   Já à tardinha, voltamos para o hotel.  À noite, assistimos a um espetáculo folclórico no qual os nativos apresentaram diversos números musicais e uma dança local que se assemelha à “hula”, o “sau-sau”.

                                                   Passamos, ao todo, dois dias inteiros na ilha da Páscoa, muito pouco para conhecer todos os seus tesouros e mistérios.

                                                    Contudo, estivemos lá um dia e sentimos que, intrusos, partilhamos de um mundo estranho e selvagem que não nos pertencia.  Aquela paisagem bizarra não era, certamente, nossa. Aqueles caminhos pelos quais passamos tantas vezes, nunca esperaram ter a marca dos nossos pés: na verdade, as nossas retinas e máquinas fotográficas roubaram visões proibidas aos não-iniciados; os habitantes da ilha não devem ter entendido as nossas presenças destoantes, ali no seu mundo de duras paisagens.

                                                     Voltamos trazendo nas nossas malas diversos tipos de rochas do seu solo vulcânico, pobres lembranças materiais dessa terra fascinante; entretanto, trouxemos também uma bagagem inefável de alegria, sonhos e perplexidades dessa ilha mais solitária do mundo...


(O Sr. Olavo Rubens Leonel Ferreira é pai do meu amigo José Eduardo, que já publicou textos aqui no blog.)

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