domingo, 22 de março de 2015

Semiótica, Politicamente Correto e a Negação da Realidade




A Semiótica é a ciência criada pelo suíço Ferdinand de Saussure (Genebra, 1857-Morges-1813) e tem por objeto o estudo dos signos. Signo é... praticamente tudo: idiomas, palavras, gestos, roupas, fotografia, jóias, tatuagens, expressões corporais. Conhecemos a realidade através dos signos e eles, ao mesmo tempo, auxiliam na nossa percepção dessa mesma realidade. A forma como vemos o mundo, nossas filosofias, ideologias, preconceitos, estão diretamente relacionados com os signos por meio dos quais tomamos contato com o mundo.

Na concepção de Saussure, o signo é composto de duas partes: o significante e o significado. O significante é a forma assumida pelo signo e o significado é o conceito que ele representa. Note-se que o signo não reflete a realidade ou algo concreto mas, sim, nosso conceito de realidade e desse algo. A palavra carro é um signo. O significante é carro e o significado é a idéia de um veículo automotor normalmente conduzido por um ser humano. 

Normalmente, a escolha de um significante para representar um significado é arbitrária a princípio mas, com a utilização, o signo adquire existência histórica e o significante não pode ser alterado ou modificado arbitrariamente mais. O mesmo se dá com o significado atrelado a um significante. Há alterações feitas em um deles ou ambos, mas de forma gradual, lenta, ao longo de um bom espaço de tempo e com uma aceitação mais ou menos geral e até que se passe a utilizar aquele significante com um novo significado ou o significante passa a estar atrelado a um novo significado.  Considerando a arbitrariedade da escolha de um significante para um significado, a única lei que rege o signo é a tradição. 

Há algumas poucas décadas surgiu um movimento que passou a ser conhecido como politicamente correto. De acordo com a wikipedia, é: "uma suposta política que consiste em tornar a linguagem neutra em termos de discriminação e evitar que possa ser ofensiva para certas pessoas ou grupos sociais, como a linguagem e o imaginário racista ou sexista." (http://pt.wikipedia.org/wiki/Politicamente_correto). Ou seja, para não ofender uma pessoa cuja pele é negra, no lugar e chamá-la de negra (o que seria óbvio, já que a cor da pele é exatamente essa) passa-se a chamá-la de "afrodescendente". Pessoas com deficiências físicas passam a ser chamadas de portadoras de necessidades especiais. Paro por aqui com os exemplos porque a lista é longa. Mas a idéia fica clara com esses dois que mencionei: o que politicamente correto tenta, ao alterar alguns termos (em outras palavras, alterar o significante atrelado a alguns significados), é alterar, via reflexa, o significado. Como se uma pessoa racista deixasse de ser racista por chamar de afrodescendente uma pessoa negra. Ou se o fato de chamarmos de "portadora de necessidades especiais" uma pessoa que necessita de cadeira de rodas porque não consegue usar as pernas não tivesse uma deficiência locomotora. Nada mais bobo. Ou inútil.

O politicamente correto consegue, apenas, tornar ainda mais hipócritas as relações sociais. Se o processo de alteração de um significante é lento, a do significado é ainda mais, porque é um processo que envolve a mudança em padrões constituídos pela criação, filosofia, valores da pessoa e da sociedade onde está inserida. Retornando aos exemplos acima. Se uma pessoa nascida em um país racista (como a África do Sul durante o apartheid ou o sul dos Estados Unidos), cresce com a idéia de que uma pessoa negra é inferior e merece assim ser tratada, seu próprio conceito de "pessoa negra" é racista. Chamar essa pessoa de "nigger" (termo extremamente ofensivo em inglês), negra ou afrodescendente não alterará em nada o significado racista da sua idéia de negro. Apenas o esconderá.

E ao esconder o significado atrelado ao significante que o politicamente correto tenta alterar, esse movimento bobo auxilia a negar a realidade. Em outras palavras: varre a existência dos preconceitos para debaixo do tapete e assim tenta se enganar de que eles não existem. Ou vetar que um racista se expresse, assim como qualquer outra forma de preconceitos (que existiram, existem e sempre existirão), o politicamente correto impede que tais situações sejam modificadas. O Grande Freud descobriu que as neuroses são provocadas por repressões de coisas de que não gostamos em nós ou na nossa sociedade. Só que ele também descobriu (e é um dos fundamentos da Psicanálise) que a única forma de lidar com elas é trazê-las para a luz: a consciência. O Oráculo de Delfos já dizia isso conhece-te a ti mesmo. O Evangelho também tem algo parecido (Mateus, 7:3-5): Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu irmão: 'Deixe-me tirar o cisco do seu olho', quando há uma viga no seu?Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão." Esse trecho do Capítulo 7 de Mateus é exatamente o que Freud chamou de projeção: vemos no outro aquilo que mais reprovamos em nós mesmos, mas que mas negamos.  

Ao esconder o racismo, sexismo, antissemitismo, homofobia por detrás de palavras bonitinhas, arrumadinhas e que supostamente negam que tais coisas existam, o politicamente correto está simplesmente fazendo como o avestruz que esconde a cabeça na terra e, assim, acha que está bem escondido. Só que essas coisas continuam ali, crescendo e adquirindo força e como tudo o que é reprimido, vão voltar um dia com uma violência proporcional à força da repressão. 
  
E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?
Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu?
Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão.

Mateus 7:3-5

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