sábado, 7 de março de 2015

A DESCOBERTA DO CRIADOR




José Eduardo de Almeida Leonel Ferreira



Dias atrás, li que um grupo de cientistas defende a existência de um Deus curioso: seriamos nós mesmo, no futuro, quando dominaríamos tudo aquilo que acreditávamos que só Ele poderia dominar. Se for verdade, sei como isto começou, e foi com “Guerra e Paz”, de Liev Tolstoi. 


“Guerra e paz” é um livro tão notável que nos deixa uma dúvida: ceder à adoração geral ou morrer de inveja de Tolstoi e tentar encontrar algum motivo para descer-lhe críticas.


Como aceitar que alguém é capaz de criar um mundo próprio tão sólido, completo, auto-suficiente, usando para isto um pedaço de pena e um subproduto de folha? Antes de lê-lo, não sabíamos, mas estamos confortavelmente instalados num Universo que se dividia entre criador e criaturas. Nós éramos alegres e ingênuos membros deste segundo grupo e não víamos motivo para achar o contrário, até que este russo, de forma acintosa, desconcertante, fez picadinho de nossas tolas convenções conceituais e resolveu tomar para si um dos atributos da Deidade, a criação. A confusão começou e só fez piorar com a tecnologia, a informática, a realidade virtual. Mas não podemos nos esquecer do culpado original, quem primeiro instalou e semeou a dúvida em nossas mentes tranqüilas por que mergulhadas, então, na mediocridade da resignação, entorpecidas pela ilusão de quem se concebe apenas como criatura.


Depois de dez mil anos como espécie, em apenas seis anos, entre 1865 e 1871, Tolstoi rasgou as regras confortáveis, peitou as divindades e nos tirou a calma e o refúgio da irresponsabilidade da condição humana para nos afundar com o imenso peso que é a liberdade de inventar o real, ou os múltiplos reais. Logo ele, tão religioso...Mas era isto mesmo, cabiam vários mundos dentro de nós, e éramos responsáveis por cada um deles. Muito peso, pouca condição de suportá-lo.


Só nos resta tomar a via geral de colocar o velho Conde em um lugar apartado na caminhada humana rumo ao nada, que apelidamos de história. Tirá-lo deste panteão seria colocar-se perigosamente como seu igual, e nossos ombros desabariam com obrigação avassaladora que só pouquíssimos de nós devem receber, a obrigação de ser Deus.


(José Eduardo, autor deste texto, é meu amigo há anos, ama livros e escreve muitíssimo bem)


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