Bento XVI renunciou. Ninguém comprou a versão de que seria por falta de condições físicas: idade avançada e doenças cardíacas. Seu antecessor, João Paulo II, visivelmente muito mais debilitado, aguentou até o fim. Vendo o velhinho rezar missas e distribuir benções mundo a fora, dava vontade de gritar: Vai para casa descansar, João Paulo. Mas ele não foi. E morreu papa.
Já no mesmo dia do anúncio da renúncia, começarasm as especulações sobre os motivos reais da renúncia: escândalo no Banco do Vaticano, acusado por alguns de lavar dinheiro, padres, bispos, cardeais ao redor do mundo acusados de pedofilia. Seria esse o motivo? O papa teria tentado "limpar" a igreja e não teria conseguido e por isso teria perdido seu apoio e, vendo-se isolado, preferiu renunciar? A questão da renúncia, a partir das especulações sobre os motivos por detrás, levaram a discussões a respeito da própria Igreja Católica, seu papel no mundo atual e sua sustentabilidade em face desses dois problemas graves: acusação de lavagem de dinheiro em seu banco e de pedofilia praticada por vários de seus membros.
Em sua coluna de 18/02/2013, publicada na Folha de São Paulo, Luiz Felipe Pondé foi muito sábio ao afirmar que "a igreja teria um corpo mundano (pecador como o de todo o mundo) e um corpo místico (voltado a Deus, à eternidade, inserido no mundo assim como Deus encarnou num homem, Jesus)". Concordo. A Igreja é composta de seres humanos, como de resto todas as religiões do mundo. E o ser humano tem um lado iluminado e um lado negro. George R. R. Martin, genial autor da série Uma Canção de Gelo e Fogo, disse em uma entrevista (a igreja teria um corpo mundano (pecador como o de todo o mundo) e um corpo místico (http://youtu.be/fHfip4DefG4) que seus personagens não tem apenas um lado bom ou um lado ruim: sempre tem os dois. Para ele, a grande batalha é travada dentro do ser humano. A mesma pessoa capaz de atos generosíssimos pode ser um pedófilo ou espancar os filhos pequenos. Temos a possibilidade de ir para qualquer um dos lados: está tudo aí dentro. Qual uso vamos fazer de cada um é uma outra história.
Não dá para condenar a Igreja Católica como instituição apenas pelo que seus membros, seres humanos como nós, fazem. É e sempre foi assim. A Índia deu ao mundo Buda, Osho, os Upanishads, Taj Mahal mas tem um sistema terrível de castas que exclui qualquer pessoa considerada de casta inferior. Os Estados Unidos, onde a democracia nasceu e cresceu junto com a própria história do país, apoiaram e apoiam ditaduras horrorosas mundo afora, desde que favoreçam seus interesses. A Alemanha deu ao mundo Goethe, Beethoven, Bach, Einstein mas também deu o nazismo. O Brasil é famoso pela simpatia, alegria e hospitalidade de seus habitantes, mas também pela corrupcão e pelo "jeitinho" para se obter qualquer coisa.
Apesar da pedofilia e do escândalo do Banco do Vaticano, a Igreja Católica manteve a filosofia, literatura e arte durante séculos. É bom lembrar que se não fosse pelo Papa Júlio II, Michelangelo não teria pintado a Capela Sistina.
Antes de condenar a Igreja como instituição pelas falhas de seus membros humanos, demasiadamente humanos, parafraseando Nietzsche, é bom lembrar que todos nós temos um lado negro e um lado de luz. Às vezes um, às vezes outro aparece. E assim, tudo o que nós tocamos também vai ter esses dois lados. Afinal, a polaridade faz parte da vida e só não está sujeito a ela quem já se iluminou. E quem já se iluminou não tem um lado negro, apenas luz.
Tudo isso porque a polaridade faz parte da vida: sol e luz, dia e noite, seco e molhado, fogo e água e a polaridade última que é o bem e o mal, esse último personalizado na Bíblia como Deus e Satanás. Mas toda polaridade é apenas os dois lados de uma mesma moeda, tanto que na própria Bíblia, o mal foi criado por Deus ou, pelo menos, o seu autor, Satanás. Se tudo foi criado por Deus, inclusive Satanás, o mal também foi indiretamente criado por ele. A iluminação é, então, a transcedência da polaridade, a unidade. Mas para chegar até ela, é preciso viver a polaridade, que é o que nós fazemos aqui. E só não está sujeito à polaridade quem já se iluminou. E quem já se iluminou não tem um lado negro, apenas luz.
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