sábado, 7 de março de 2015

Um Mestre

Quentin Tarantino é um mestre. E Django Unchained mais uma de suas obras primas. Claro, não é mais sensacional do que Pulp Fiction mas é difícil qualquer filme ser mais sensacional do que Pulp Fiction.  Lembro na cerimônia do Oscar no qual Pulp Fiction concorreu a melhor filme e acabou perdendo para aquele monumento à pieguice chamado Forrest Gump. Triste triste triste. Fazer o que...


Em Django Unchained tudo é perfeito: a história, os diálogos, os personagens, as cenas, a fotografia e, claro, os atores.. A escolha de cada ator parece ter sido feita a dedo. Desde o sensacional Christoph Waltz, se redimindo do melífluo e terrível Hans Landa e Bastardos Inglórios até o maravilhoso Samuel E. Jackson, dando vida a um personagem que consegue ser pior do que o próprio Hans Landa, passando por Jammie Foxx, incrível e pelo próprio Tarantino, com um engraçado sotaque australiano. Ou seria sul africano? E tem sangue. Muito sangue. Mas não seria um Tarantino de verdade se não tivesse muito sangue.


Não importa. O filme tem cenas inesquecíveis, como todos os filmes de Tarantino costumam ter. A cena da biblioteca, com a harpa tocando Beethoven enquanto Dr. King Schultz (Christoph Waltz) se recorda de uma cena indigesta acontecida momentos antes e não consegue ouvir a música. Impossível não fazer um paralelo com o personagem de Christoph Waltz em Bastardos Inglórios uma vez que era prática dos nazis praticar atos abomináveis durante o dia e se deliciar com Beethoven à noite. Ou então quando o mesmo Dr. King Schultz, ao ir apertar a mão de Calvin Candie (Leonardo diCaprio como um perfeito cavalheiro sulista pré guerra da sucessão escondendo um ser abominável) lhe dá um tiro só para depois olhar para Django (Jammie Foxx) e falar sorrindo: “I couldn´t help it”. Acho que dificilmente alguém resistiria.


Já ouvi pessoas dizerem que Christoph Waltz é canastra, que seus personagens todos tem os mesmos trejeitos. Não concordo. Ele consegue imprimir um tom sutil em cada personagem e consegue passar exatamente o que quer. Seu Hans Landa em Bastardos Inglórios é um perfeito cavalheiro mas a encarnação da maldade. Já Dr. King Schultz é um cavalheiro com uma decência difícil de se encontrar por aí. Não consegue entender a escravidão e fez o que pode para aliviá-la. Apesar de, em outra cena tarantiniana memorável, fala para Django que seu trabalho é mais ou menos como o tráfico de escravos: flesh for cash, já que, na condição de caçador de recompensas, mata pessoas procuradas “viva ou morta” e entrega o cadáver delas. Mas talvez por causa disso, sua ética com relação aos vivos fica ainda mais notória. E se destaca ainda mais no sul americano com todo o seu racismo, preconceito e burrice. Impagável quando Dr. Schultz, olhando a biblioteca de Calvin Candie, francófilo que não fala francês mas exige ser tratado por Monsieur Candie, pergunta o que Alexandre Dumas acharia de um homem com o nome do personagem principal de um dos seus livros mais famosos tivesse sido dado de comida para cachorras ferozes. Monsieur Candie não faz a menor idéia de quem seja Alexandre Dumas nem de que ele era negro. Nada mais genial: escancara a burrice de quem quer ser tratado como aristocrata sem ser, quem quer ser reconhecido por qualidades que apenas aparenta ter, mas não as tem. 


Finalmente, Spike Lee reclamou da quantidade de vezes em que a palavra nigger é dita no filme. Nigger é uma forma extremamente ofensiva de se referir aos negros. Mas o que ele queria? Que no sul escravocrata dos Estados Unidos, antes da Guerra Civil, os proprietários de escravos se referissem aos negros como irmãos afro americanos? Ou que apenas negros poderiam pronunciar a palavra “nigger”? Se sim, o comentário, além de infeliz é racista e fere a liberdade de expressão. Afinal, como disse Voltaire, “não concordo com nenhuma palavra que dizeis mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-las”. 

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