É preciso muita coragem para dizer o que se pensa, manter o que se disse e arcar com as consequências. Principalmente se o que foi dito vai contra a ditadura do politicamente correto. O politicamente correto surgiu para impor um mínimo de educação entre as pessoas, material cada vez mais raro. Mas daí ao patrulhamento total e irrestrito, foi um pulinho.
Essa semana, uma jornalista chamada Micheline Borges, fez um comentário a respeito das médicas cubanas que chegaram no Brasil em razão do programa Mais Médicos, do Governo Federal (http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2013/08/jornalista-diz-que-medicas-cubanas-parecem-empregadas-domesticas.html).
Abrindo um parêntese, vale contar que esse programa provocou a fúria dos médicos brasileiros. Apesar de não quererem participar dele, indo trabalhar em lugares remotos, adotaram a postura pouco elegante de questionar a capacidade técnica dos médicos de Cuba. Não tenho a menor condição de avaliar a capacidade técnica seja de médicos brasileiros, seja de médicos estrangeiros. Mas acredito que basta um pouco de bom senso para concluir que, em regiões carentes de tudo, um médico pouco qualificado (e não quero dizer com isso que considero os médicos estrangeiros pouco qualificados) é melhor do que médico nenhum.
Só que o comentário da jornalista não se referiu à capacitação técnica das médicas cubanas. Referiu-se à aparência delas, que comparou a das empregadas domésticas e vinculou a capacidade técnica à boa aparência, chegando a questionar se, tendo a aparência de "empregada doméstica", seriam médicas mesmo.
A comparação em si já vem carregada de preconceito: a capacidade técnica só existiria em pessoas bonitas e bem vestidas. E, ainda, a profissão de empregada doméstica, em regra exercida por moças e mulheres simples, com poucos estudos, implicaria na existência de traços fisionômicos comuns entre essas profissionais. Quem possuísse tais traços, ainda que fosse altamente qualificada em alguma área profissional, seria considerada "doméstica", ainda que só na aparência.
O efeito do comentário carregado de preconceitos foi tão devastador que nem mesmo a defesa da jornalista, de que aquilo refletia a opinião dela, não impediu a artilharia pesada dos indignados de plantão. E ela não conseguiu segurar a onda, fechou sua conta na rede social onde o comentário foi postado e também nas outras redes das quais participa.
O episódio me lembrou um trechinho famoso dos Evangelhos: "quem não tiver pecado que atire a primeira pedra". No caso ficaria melhor "quem não tiver preconceito, que atire a primeira pedra".
Porque preconceito todo mundo tem. Quem acha que não tem, tem ainda mais. Às vezes o preconceito está bem escondidinho, debaixo de uma camada fina do verniz do politicamente correto. Mas basta um momentinho de descuido ou um daqueles atos falhos tão bem descritos por Freud em The Psychopathology of Everyday Life, que o preconceito aparece.
Por isso acho que cada um tem o direito de expressar seus reponceitos. E ter coragem para arcar com as consequências do que disse: ser processado, pagar indenização. Mas o direito de expressar esses preconceitos é sagrado.
Em uma época em que o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal (cuja função principal é zelar pela Constituição e tudo o que ela contém, inclusive o direito à liberdade de expressão) impede um colega de concluir sua fala e ainda o acusa de promover "chicana", e em que uma pessoa é execrada por verbalizar um preconceito é difícil acreditar que realmente exista liberdade de expressão.
Não precisamos concordar concordar e nem mesmo respeitar as opiniões, religiões, valores, crenças, convicções das pessoas. Podemos até mesmo rir deles. Mas o respeito ao direito que todas as pessoas tem de ter e expressar qualquer coisa é sagrado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário