domingo, 22 de março de 2015

Two Lives

Imagine que você nasceu em um certo país. Seus pais nasceram nesse mesmo país.. Os pais de seus pais e os pais deles também. Seus irmãos e seus amigos, a mesma coisa. A língua falada nesse país é a sua língua e esse país é o lugar que você chama de casa: sua pátria.

Até que um dia, algumas pessoas assumem o poder e por causa de sua religião e da sua identificação como pertencente a um determinado povo, você é considerado um ser inferior e sujo. Demitem você e todos do mesmo povo de seus empregos, obrigam vocês a entregarem jóias, prataria, casacos de pele e quaisquer outras coisas de valor. Sem emprego, vocês são obrigados a vender a casa ou a devolver ao proprietário, se alugada. Não tem mais dinheiro para se aquecer no inverno (o país é frio) e começa a passar fome. Aí você é obrigao a usar uma marca, um símbolo que o identifica como membro do povo ao qual você pertence. Você não pode mais frequentar teatros, cinemas, restaurantes bares, ser membro de clubes tudo por causa de ser identificada como membro de um determinado povo. Seus amigos, que não fazem parte desse mesmo povo, se afastam com medo de serem perseguidos, presos e mortos. Até que capturam sua família e você, que havia conseguido mudar de país antes das coisas ficarem muito ruins, fica sabendo que todos foram assassinados, não sem antes passarem por muita fome, humilhação e sofrimento. 

Essa é a história do povo judeu na Alemanha e nos territórios que esse país ocupou durante o regime nazista de 1933 a 1945 e a segunda guerra mundial, entre 1939 e 1945.

Já li alguns livros sobre a Segunda Guerra e sobre o nazismo. Alguns narrando fatos de pessoas reais e outros de ficção. Nunca deixo de ficar triste e indignada com tanta irracionalidade, arrogância e burrice.

Não foi diferente ao ler Two Lives, do escritor Vikram Seth. Ele conta a história de seu tio avô Shanti Seth e sua esposa alemã, Henny Caro, que conseguiu emigrar para a Inglaterra em 1938, mas perdeu a família assassinada pelos nazistas.

Já conhecia o talento dele como escritor de começar  (e não terminar) A Suitable Boy e An Equal Music. Tendo nascido na Índia mas estudado e morado na Inglaterra e Estados Unidos, Virkam consegue traçar um panorama da vida nos três lugares de uma forma distante o suficiente para não ser parcial, mas próxima o bastante para não ser fria.

As pessoas cuja história é contada no livro permanecem vivas e suas experiências e emoções vão mostrando o momento histórico em que viveram, principalmente durante a segunda guerra e todo oh horror que foi aquilo.

O livro tem coisas memoráveis, tais como a discussão entre Shanti e um coronel inglês, enquanto serviam o exército aliado na África. A discussão ocorreu a respeito dos motivos do domínio inglês na Índia, ainda uma colônia inglesa.O coronel tenta justificar a colonização e Shanti fala que se os ingleses acham que os hindus são idiotas e por isso querem dominá-los, é possível. Mas dizer que é para o bem dos hindus ou que eles precisam de ser educados é inaceitável. A cultura hindu é muito mais antiga do que a inglesa. Na época dos romanos, pessoas do exército eram levadas para a Grã Bretanha como punição.

Abro um parêntese para lembrar que os alemães, com toda a sua idiotice em se considerarem superiores ao resto da humanidade, esqueceram-se de que também, na época do Império Romano, eram tão toscos que foram chamados de bábaros. Sem falar que a tomada de Roma por eles provocou aquele período que muitos chamam de idade das trevas. tsc tsc tsc

Outra passagem memorável do livro é a análise filosófica a respeito da paz feita por Alfred E. Rowett, em 1945. Ele era Chairman of the British Dental Association, conhecido de Shanti por este último ser dentista. Ele fala que esperava que a bomba atômica tivesse mostrado à humanidade que política e economia são um meio e não um fim. E não existe algo como uma paz permanente. Paz não é uma coisa estática: é o exemplo supremo do equilíbrio em movimento. E se nos privarmos do Absoluto eterno, inevitavelmente divinizaremos e tornaremos absoluta alguma coisa mundana.

O livro perde muito quando o autor passa a falar da vida de Henny através das cartas que ela trocou após o término da guerra e durante os anos quarenta. Ficam repetitivas e cansativas de se ler. Conseguem, porém, traçar um bom panorama do que foi viver na Alemanha depois do fim da guerra e como as pessoas, ao se deparerem com todas as privações que sofriam (faltava comida, aquecimento, roupas, empregos, casas) eram consequência da guerra que o país deles tinha começado.

Divido o livro em três partes: a primeira, interessante, vibrante, fala sobre a experiência do autor na casa do tio em Londres. A segunda, conta a vida do tio na Alemanha, quando conheceu a esposa e depois a vida dele na Inglaterra e durante a guerra. A terceira parte, falando da vida da esposa através da troca de cartas poderia ter um quarto do tamanho e sem a transcrição das cartas como feita. A última parte fala da vida do tio após o falecimento da esposa e também não é muito interessante. Mas o livro vale a pena pela primeira e segunda partes (de acordo com a minha divisão, não a do livro), até mais ou menos a página trezentos.

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