Li todos os livros que Monteiro Lobato escreveu para crianças quando tinha entre oito e dez anos. Fiquei encantada com todo aquele universo, tão mágico.
Quando li recentemente que alguns grupos estavam fazendo campanha para proibir que seus livros, considerados racistas, fossem adquiridos com dinheiro público na condição de livros paradidáticos, para serem distribuídos a escolas públicas, fiquei assustada. O trecho mencionado na reportagem, a título de exemplo de racismo, era um trecho de As Caçadas de Pedrinho: tia Anastácia subiu algum lugar (não lembro se era árvore ou um pau comprido) e é comparada a "um tição de carvão".
De acordo com o grupo tentando retirar o livro denre os paradidáticos nas escolas públicas, a questão racista ficaria evidente quando esse trecho fosse lido na sala de aula, pois alunos negros se sentiriam muito mal e muito discriminados com o teor do livro.
Nunca achei que os livros tivessem conteúdo racista. Ao contrário. Há uma história em um dos livros (não me lembro qual), que é uma das coisas mais antirracismo que já li: em um canteiro de violetas roxas, nasceu uma violeta branca. Cheia de empáfia por ser diferente, humilhava outras violetas, consideradas inferiores por ela. Por ser branca, achava-se superior. Quando a Emília viu tudo aquilo e ouviu o discurso arrogante da violeta branca, ficou sem palavras. Justo a Emília. Até que apareceu o Visconde com toda a sua sapiência. Depois que ouviu a violeta branca dizer que era muito superior exatamente por ser branca, ele respondeu que não entendia o motivo. Violetas roxas, disse ele, tem pigmentos roxos nas pétlas, daí a cor roxa. Violetas brancas não tem pigmento algum, por isso são brancas. Se a violeta branca não tem algo que as demais tem, ela não é mais, é menos. Isso fez com que a violeta branca murchasse de vergonha.
Mesmo criança, essa história me marcou (tanto que me lembro até hoje), como algo muito antirracista. Ao contrário das partes relativas à tia Anastácia, que nunca me passaram nada relacionado com racismo, nem remotamente.
Há uma grande diferença entre ser racista - tratar alguém de forma negativa, com preconceito, considerando sua raça - e retratar uma determinada realidade, essa sim, racista. Descrever como os escravos viviam, o sofrimento, preconceito, discriminação, sempre vai demonstrar o racismo de quem tinha escravos, mas não significa, necessariamente, que o autor do livro sobre escravos seja racista.
Quando criou as personagens de tia Anastácia e tio Barnabé, o preto velho, Monteiro Lobato, pelo que se sente de seus livros, estava retratando - de forma estereotipada, é verdade - como viviam as pessoas que ou foram escravas ou eram descendentes delas, lgo após a Abolição. Não significa que ele, Monteiro Lobato, fosse racista. Há outros personagens também estereotipados nos livros, como o turco dono da mercearia.
Por outro lado, a passagem do livro em que tia Anastácia é comparada a um "tição de carvão", não tornará racista quem não é nem fará com que alguém racista, deixe de sê-lo. Se algum aluno se utilizar dessa frase para se referir a algum colega de sala, denotará falta de educação e delicadeza e um racismo já existente, mas não acho que o texto, em si, seja racista.
Retirar os livros de Monteiro Lobato do acesso de alunos de escolas públicas por causa de um eventual racismo qu, aos meus olhos, não está lá, vai privar essas crianças de entrar em um mundo mágico.
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