sexta-feira, 13 de março de 2015

O Viajante Experiente

Poucas coisas são mais chatas do que aquelas pessoas que acham que tem a solução para tudo. E pior, que a solução delas é a única. E sem que você queira ou tenha pedido, começam a contar porque a solução delas é a melhor e sempre começam a frase com "você tem que...".

Cada aspecto da vida tem os tipos assim. Um dos mais irritantes é o que se julga "o viajante experiente". Aquele que pensa que só são bons os hotéis em que ficam, a companhia aérea pela qual viaja é a única descente, as roupas que usa são as únicas apropriadas, a quantidade de dinheiro que leva é a única que serve, os lugares que visita são os únicos que valem a pena. E como se não bastasse o seu modo absoluto de ver o mundo, é o ó quando adota um ar professoral e condescendente e começa a te dar uma verdadeira aula de como viajar. As frases sempre começam como "você tem que...". Se você for a ***, você tem que ficar no hotel X. Se você estiver com fome, você tem que comer no restaurante ***. Se você visitar o país *** você tem que ir em *******. 

Enfim, um horror. Sempre que me deparo com um tipo (ou tipa) desses, procuro um coelho para correr atrás, mesmo que seja para dentro de um buraco. Ou aplico o bom e velho golpe do banheiro. Ou simplesmente digo que tenho Something else. E caio fora.

Essas pessoas não se dão conta de que quem é viajante de verdade sabe que roupa ideal depende de quem está usando, do que vai fazer, para onde vai. Quem gosta de escalar montanhas não vai levar uma bota salto 15 nem um bolsa chanel. Quem vai pra Ibiza curtir balada provavelmente não vai passar na North Face antes. Quem vai tomar chá da tarde no Ritz de Paris não vai vestir canga, parte de cima do bikini e hawainas. E por aí vai. Cada um tem seu jeito. Ou como diz uma amiga muito querida, cada um é cada um.  Viajante de verdade nunca vai dizer que só usa uma roupa assim ou assada porque é "chic". Viajante de verdade sabe que qualquer frase que tenha a palavra "chic" passa a ser brega. O que é mesmo chic prescinde do adjetivo chic. O que precisa ser adjetivado de chic, é mesmo brega.

Viajante de verdade come o que pode e o que tem vontade. Mas há quem faça viagens grastonômicas, afinal o mundo a gente conhece vendo, ouvindo, cheirando, pegando e provando. Por isso viajante de verdade não come só comida do próprio país quando viaja. Mas se sente vontade de comer a comida de casa, também não tem problema algum. Não é porque se está longe que se está proibido de comer alguma coisa da qual se gosta. Justamente porque durante uma viagem, à vezes, dá saudades de casa. Nada mais normal. E nada melhor para matar as saudades de casa do que comer alguma coisa que é feita "lá em casa". Claro que não vai ter gosto igual. Nunca tem. Mas está valendo também. 

Viajante de verdade nunca te diz o que você deve levar numa viagem. Ele apenas conta o que ele próprio leva e porque leva. Talvez isso possa te dar umas idéias do que levar em uma próxima viagem. Talvez não. O que é bom para o viajante pode não ser para outra pessoa. Ninguém sabe o que é melhor para a gente do que a gente mesma. Nunca vai te dizer para ficar nesse ou naquele hotel. Vai apenas contar a experiência dele e se você quiser ficar no mesmo lugar, ótimo. Ele também não vai dizer quanto você deve levar na viagem, porque ele não sabe qual sua situação financeira e o que você pretende fazer. Mas pode te contar quanto leva normalmente ou quanto as coisas custam em no lugar para onde ele foi e para onde você está indo, para que você possa decidir por você mesmo.

O viajante de verdade também não vai dizer que um lugar é melhor do que outro, que aquele país é melhor do que o outro. Ele sabe que cada experiência é única e um lugar que para ele pode ter sido maravilhoso, para outra pessoa pode ter sido uma tortura. 

O "viajante experiente", na realidade, é uma contradição em termos. Viajante à altura desse nome sabe que vale a pena conhecer todos os lugares. Qual lugar vai ser visitado nesse momento depende de quem vai, do que quer fazer, do humor. É algo subjetivo.  Muito subjetivo. Há quem goste de viajar só na executiva porque é muito mais confortável. Mas há quem não tem grana para pagar a executiva e quer mesmo é chegar. E há quem, mesmo tendo o dinheiro, acha que poderia gastar em outras coisas, já que uma noite mal dormida não tem tanto problema assim. Há quem nunca viaje sozinho. Há outros, como Amir Klink que passam meses andando por aí com a própria companhia. Há quem leve umas três malas porque quer levar um pedacinho da casa junto. Há quem vá apenas com uma mochila nas costas e também fica com a sensação de que está levando a própria casa nas costas. Há quem só fica em hotel cinco estrelas. Mas tem também quem fica feliz só de ter uma cama pra dormir. E se não tiver uma cama, uma barraca está ótima. Há quem alugue um carro de luxo e há quem usa o polegar, pra pegar carona. 

O viajante de verdade é apenas uma espécie daquele gênero de pessoas que sabem que não tem o direito de dizer como os outros devem levar a própria vida. E, no caso deles, de como devem viajar.

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