domingo, 15 de março de 2015

Primitivo

Em uma de suas crônicas (não lembro qual nem onde foi publicada), Cecília Mireles narra um jantar em uma churrascaria de Buenos Aires, que não lhe foi muito agradável por causa de sua "alma vegetariana", como ela refere a si própria: a maquiagem e os casacos de pele que usavam lhe remeteram às mulheres da época das cavernas, que também pintavam o rosto, usavam roupas de pele e comiam carne.

Sendo eu mesma vegetariana, nunca tinha percebido essa visão de que algo considerado muito sofisticado como casacos de pele e maquiagem para um jantar à base de carne podem ser vistos, na realidade, como primitivos.

Essa crônica ou melhor, o pedacinho dessa crônica da Cecília me veio à mente em um final de semana em tempos não muito distantes. Em uma cidade do interiror de Minas Gerais, houve um evento no qual pessoas passeavam montadas a cavalo ou em charretes, puxadas por eles ou por burrinhos, em um dia de domingo.

A imagem que me veio foi de algo primitivo. Afinal, em uma época onde há aviões supersônicos, comunicação em tempo real para qualquer lugar do planeta, permitindo ver e ouvir quem está falando, tripulantes da estação espacial postando fotos e imagens na internet também em tempo real, utilizar animais como tração ou meio de transporte apenas por esporte é algo muito, mas muito primitivo mesmo.

Com muita má vontade, faço uma exceção àquele sitiante pobre que não tem mesmo condições de comprar um meio de transporte mais moderno do que um bichinho. Faço essa exceção para ele e ninguém mais, muito menos para as charretes do Central Park em Nova York, cidade considerada a mais urbana e cosmopolita do mundo, ou para as charretes das ruas de Amsterdam, considerada a mais. Charretes não tem nada de moderno nem de liberal e quem paga para andar nelas deveria ter vergonha de fazer algo tão primitivo. Ou ancient régime. 

E que ninguém venha me dizer que os cavalos gostam de ser montados ou de puxarem charrete. Duvido. Para serem submetidos a isso, eles recebem um ferro (ou algo parecido) atravessando sua boca, um negócio amarrado na barriga, trabalham apanhando, sem comida e sem água e ainda levam uma carga em cima que lhe bate com os pés nos flancos ou dá espetadas de espora. Também duvido que eles, uma das espécies mais inteligentes da terra, gostem de correr loucamente em volta de uma pista oval para glória (ou fracasso) de quem os monta ou de quem aposta dinheiro neles ou de que gostam de pular obstáculos sem sentido nenhum.

Realmente acho primitivo, muito primitivo, em pleno Século XXI, seres supostamente racionais um animal como meio de transporte ou de tração, simplesmente por diversão.

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