Essa frase é referência ao lobo mau do conto de fadas Chapeuzinho Vermelho e uma forma de rebelião contra o princípe encantado dos mesmos contos de fadas. Afinal, já se foram os tempos em que donzelas indefesas, aprisionadas por alguma bruxa, ogro, dragão ou qualquer monstro ficavam esperando seu princípio encantado resgatá-las e aí viverem felizes para sempre. Ou, ainda, beijavam algum sapo que se transformava em príncipe.
O mundo andou, a vida mudou. Mocinhas raramente são donzelas e apesar de muitas ainda quererem alguém as sustente, a maioria prefere lutar as próprias batalhas em vez de esperar um princípe. Quanto aos sapos.. hoje todo mundo sabe que nenhum sapo vira princípe mas o contrário é bem comum.
Verdade?
Na realidade, não.
Contos de fadas não significam que as mulheres querem um princípe que as liberte nem os homens estão procurando donzelas (damsel in distress) para salvar. O significado é muito mais embaixo.
É esse o assunto do livro A Psicanálise dos Contos de Fadas, do alemão Bruno Bettelheim. Ele analisa de forma brilhante como os contos de fadas, moldados por pessoas anônimas, no lugar de ficar comportamentos humanos, como os mencionados acima, ajuda as crianças a lidarem com emoções difíceis que permeiam toda a infância e, assim, equipá-las com uma bagagem emocional saudável para lidar com os desafios da vida adulta.
Vou citar dois exemplos do livro. O primeiro é a respeito do ciclo das histórias com a madastra má. Todas essas histórias começam com a mãe boa morta e o pai se casando com uma madastra que é muito má: Branca de Neve, Cinderela. Na realidade, a madrasta má nada mais é do que a mãe da criança. A mãe que era só carinho, alimentava, cuidava, passa a cobrar, corrigir, impor limites e castigar. Para a criança isso é a pura maldade e ela passa a ver a mãe como má. Já que não consegue odiar a mãe, projeta esse sentimento em outra pessoa (a madrasta má) e consegue lidar com o ódio e, ao mesmo tempo, continuar amando a mãe. Afinal são duas pessoas diferentes. Tudo isso, claro, se passa no inconsciente da crianças mas o efeito não é menos forte. A criança consegue odiar essa mãe má que apareceu para tomar lugar da mãe boa e seguir em frente.
Outra coisa interessante notada por Bruno Bettelheim diz respeito ao ciclo das histórias em que há sempre três irmãos. Os dois mais velhos costumam ser muito parecidos e é sempre o mais novo quem vence no final, apesar de ser o mais fraco e, muitas vezes, o mais bobinho. Os dois irmãos mais velhos representam, para a criança, o pai e a mãe, não os irmãos. A criança se sente impotente frente aos pais, que são mais fortes, maiores e detem um poder que ela, criança, não tem e não sabe que terá um dia. As histórias em que os dois irmãos mais velhos sempre fracassam e o mais novo triunfa, seja pela esperteza ou pela ajuda de seres fantásticos ou animais, ajuda a criança a saber, inconscientemente, que um dia conseguirá "vencer" os pais: um dia tornar-se-á adulta.
Os exemplos vão além. Mas foi muito bom saber porque contos de fada são tão importantes. Sua compilação escrita, por outro lado, fez com que perdessem um pouco porque à medida em que são contadas, o contador acrescenta algo de si na história e quem a repetir anos depois para o próprio filho também vai acrescentar algo de seu próprio inconsciente e a história vai se enriquecendo e se amoldando com as questões importantes para aquele momento da história do ser humano. A compilação estratificou as versões em um determinado período histórico impedindo que elas se modificassem à medida das necessidades de quem as lê e de quem as ouve.
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