Viver para sempre dentro da mesma história parecer ser uma grande fonte de tédio. Pelo menos na literatura. Mesmo as filosofias que defendem a reencarnação sustentam que sempre nascemos de novo em uma outra história, com um novo corpo e sem memória do que aconteceu antes, o que é igual a uma história completamente nova.
É só olhar para Fosca, personagem de Todos os Homens São Mortais, de Simone de Beauvoir. O livro começa com ele sentado em uma sacada debaixo da chuva, anestesiado a qualquer sensação porque já viveu todas e demais. Quando uma moça se apaixona por ele e tenta fazê-lo viver as coisas que ela mesma quer viver pela primeira vez, sua reação é de indiferença, por causa do tédio de quem vive há quase setecentos anos. Mesma coisa com Lestat e os demais vampiros de Anne Rice, na série que começou com Entrevista Com o Vampiro, passando por O Vampiro Lestat, a Rainha dos Condenados e outros. Connor McLeod, o imortal do filme Highlander, de 1986. Não está tão entendiado quanto Fosca mas vê todos os que amam morrerem.
Mas a grande maioria da humanidade vê a coisa de forma dierente. "Who wants to live forever?"canta Fred Mercury no tema de Highlander. Quase todos nós. A literatura conta casos de pessoas que vão a extremos na tentativa de viver para sempre. O mais sinistro é Lord Voldemort, de Harry Potter.
Na série criada por J. K Rowling, ele tenta de várias (e cruéis) maneiras conquistar a morte, ou seja, tornar-se imortal. Procura a pedra filosofal (não consegue se apossar dela) dos alquimistas e consegue aprisionar pedaços da sua própria alma em objetos após um feitiço que envove um assassinato. E no final, mostrou que tudo isso foi em vão: era mortal como todo mundo.
Existe alguma forma de conquistar a morte e, via reflexa, tornar-se imortal? Existe uma forma de conquistar a morte sim. Tornar-se imortal é uma outra histórial
Para conquistar a morte é preciso entregar-se a ela de corpo e alma. Exatamente o que faz Harry Potter, personagem título da série e Harold Crick, personagem o filme Mais Estranho Que a Ficção, de Marc Forster.
No último livro da série, Harry Potter e as Relíquias da Morte, um livro para crianças - Contos de Beadle, o Bardo - narra como três irmãos bruxos driblaram a morte ao tentar atrevessar um rio muito perigoso: construíram uma ponte usando seus poderes mágicos. A Morte, furiosa, mas muito espertamente, parabenizou os irmãos por terem conseguido iludií-la e ofereceu a cada um deles um presente, de acordo com a escolha de cada um. O primeiro irmão, pessoa belicosa, pediu uma varinha invencível. O segundo, um homem arrogante, pediu o poder de trazer pessoas mortas para o reino dos vivos. O terceiro, pessoa humilde e sábia, pediu algo que o permitisse sair dali sem ser seguido pela Morte. Ela lhe deu sua própria capa da invisibilidade. Cada um seguiu seu caminho. Tempos depois, o primeiro irmão foi assassinado a facadas durante o sono e sua varinha, roubada. Dessa forma, a Morte o levou. O segundo irmão chamou a noiva falecida do reino dos mortos. Ela veio mas como não mais pertencia ao mundo dos vivos, ficou extremamente triste. O segundo irmão, não suportando a tristeza da noiva, matou-se e a morte o levou também. O terceiro irmão foi procurado pela Morte por muitos anos mas só foi encontrado quando, já idoso, retirou sua capa da invisibilidade, deu-a para seu filho e foi embora com a Morte de livre e espontânea vontade. Dizia-se que quem fosse possuidor dos três objetos ao mesmo tempo, seria Senhor da Morte e, portanto, tornar-se-ia imortal. A capa foi passando de pai para filho, mãe para filha até chegar a Harry dessa forma. A varinho foi ganha por ele após desarmar um adversário de forma honesta e em combate justo. A pedra da ressurreição foi deixada a ele por um testamento. Detentor dos três objetos, ele poderia se tornar senhor da morte. E ele realmente se torna, mas não por isso: sabendo que seu destino é morrer, tendo em suas mãos mudar o rumo da sua vida e evitar a morte, ele não escolhe o caminho mais fácil. Vai ao encontro dela de corpo e alma. Com medo? Sim. Mas com uma coragem maior que o medo. Essa é o verdadeiro tipo de coragem porque só se é realmente corajoso quando o medo também está ali. E ao ir de corpo e alma ao contro da Morte, ele se torna senhor dela.
O mesmo acontece com Harold Crick. Personagem de um livro, descobre que seu destino é morrer. Ter se apaixonado e ser correspondido, ter se libertado de uma vida engessada torna essa descoberta ainda mais difícil. Tenta se esquivar, convencer a autora a mudar o final. Não é bem sucedido. Face à inevitabilidade do seu destino, e mesmo estando na melhor fase da sua vida, assim como Harry vai ao encontro da Morte. E também como Harry, tornar-se senhor dela.
Não é a mesma coisa que suicídio. No suicídio a pessoa desiste de viver. Nos dois exemplos que citei, de personagens que se tornaram senhores da Morte, a vontade de viver é imensa mas, mesmo assim, vão ao encontro da Morte e, nessa atitude, tornarm-se senhores dela.
Parece uma contradição: para conquistar a Morte é preciso ir de encontro a ela. Em outras palavras: apenas aceitando a inevitabilidade da Morte é que vamos viver a vida de forma plena. Tentar se tornar imortal vai apenas fazer com que a vida seja vivida pela metade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário