domingo, 22 de março de 2015

Semiótica, Politicamente Correto e a Negação da Realidade




A Semiótica é a ciência criada pelo suíço Ferdinand de Saussure (Genebra, 1857-Morges-1813) e tem por objeto o estudo dos signos. Signo é... praticamente tudo: idiomas, palavras, gestos, roupas, fotografia, jóias, tatuagens, expressões corporais. Conhecemos a realidade através dos signos e eles, ao mesmo tempo, auxiliam na nossa percepção dessa mesma realidade. A forma como vemos o mundo, nossas filosofias, ideologias, preconceitos, estão diretamente relacionados com os signos por meio dos quais tomamos contato com o mundo.

Na concepção de Saussure, o signo é composto de duas partes: o significante e o significado. O significante é a forma assumida pelo signo e o significado é o conceito que ele representa. Note-se que o signo não reflete a realidade ou algo concreto mas, sim, nosso conceito de realidade e desse algo. A palavra carro é um signo. O significante é carro e o significado é a idéia de um veículo automotor normalmente conduzido por um ser humano. 

Normalmente, a escolha de um significante para representar um significado é arbitrária a princípio mas, com a utilização, o signo adquire existência histórica e o significante não pode ser alterado ou modificado arbitrariamente mais. O mesmo se dá com o significado atrelado a um significante. Há alterações feitas em um deles ou ambos, mas de forma gradual, lenta, ao longo de um bom espaço de tempo e com uma aceitação mais ou menos geral e até que se passe a utilizar aquele significante com um novo significado ou o significante passa a estar atrelado a um novo significado.  Considerando a arbitrariedade da escolha de um significante para um significado, a única lei que rege o signo é a tradição. 

Há algumas poucas décadas surgiu um movimento que passou a ser conhecido como politicamente correto. De acordo com a wikipedia, é: "uma suposta política que consiste em tornar a linguagem neutra em termos de discriminação e evitar que possa ser ofensiva para certas pessoas ou grupos sociais, como a linguagem e o imaginário racista ou sexista." (http://pt.wikipedia.org/wiki/Politicamente_correto). Ou seja, para não ofender uma pessoa cuja pele é negra, no lugar e chamá-la de negra (o que seria óbvio, já que a cor da pele é exatamente essa) passa-se a chamá-la de "afrodescendente". Pessoas com deficiências físicas passam a ser chamadas de portadoras de necessidades especiais. Paro por aqui com os exemplos porque a lista é longa. Mas a idéia fica clara com esses dois que mencionei: o que politicamente correto tenta, ao alterar alguns termos (em outras palavras, alterar o significante atrelado a alguns significados), é alterar, via reflexa, o significado. Como se uma pessoa racista deixasse de ser racista por chamar de afrodescendente uma pessoa negra. Ou se o fato de chamarmos de "portadora de necessidades especiais" uma pessoa que necessita de cadeira de rodas porque não consegue usar as pernas não tivesse uma deficiência locomotora. Nada mais bobo. Ou inútil.

O politicamente correto consegue, apenas, tornar ainda mais hipócritas as relações sociais. Se o processo de alteração de um significante é lento, a do significado é ainda mais, porque é um processo que envolve a mudança em padrões constituídos pela criação, filosofia, valores da pessoa e da sociedade onde está inserida. Retornando aos exemplos acima. Se uma pessoa nascida em um país racista (como a África do Sul durante o apartheid ou o sul dos Estados Unidos), cresce com a idéia de que uma pessoa negra é inferior e merece assim ser tratada, seu próprio conceito de "pessoa negra" é racista. Chamar essa pessoa de "nigger" (termo extremamente ofensivo em inglês), negra ou afrodescendente não alterará em nada o significado racista da sua idéia de negro. Apenas o esconderá.

E ao esconder o significado atrelado ao significante que o politicamente correto tenta alterar, esse movimento bobo auxilia a negar a realidade. Em outras palavras: varre a existência dos preconceitos para debaixo do tapete e assim tenta se enganar de que eles não existem. Ou vetar que um racista se expresse, assim como qualquer outra forma de preconceitos (que existiram, existem e sempre existirão), o politicamente correto impede que tais situações sejam modificadas. O Grande Freud descobriu que as neuroses são provocadas por repressões de coisas de que não gostamos em nós ou na nossa sociedade. Só que ele também descobriu (e é um dos fundamentos da Psicanálise) que a única forma de lidar com elas é trazê-las para a luz: a consciência. O Oráculo de Delfos já dizia isso conhece-te a ti mesmo. O Evangelho também tem algo parecido (Mateus, 7:3-5): Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu irmão: 'Deixe-me tirar o cisco do seu olho', quando há uma viga no seu?Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão." Esse trecho do Capítulo 7 de Mateus é exatamente o que Freud chamou de projeção: vemos no outro aquilo que mais reprovamos em nós mesmos, mas que mas negamos.  

Ao esconder o racismo, sexismo, antissemitismo, homofobia por detrás de palavras bonitinhas, arrumadinhas e que supostamente negam que tais coisas existam, o politicamente correto está simplesmente fazendo como o avestruz que esconde a cabeça na terra e, assim, acha que está bem escondido. Só que essas coisas continuam ali, crescendo e adquirindo força e como tudo o que é reprimido, vão voltar um dia com uma violência proporcional à força da repressão. 
  
E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?
Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu?
Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão.

Mateus 7:3-5

Two Lives

Imagine que você nasceu em um certo país. Seus pais nasceram nesse mesmo país.. Os pais de seus pais e os pais deles também. Seus irmãos e seus amigos, a mesma coisa. A língua falada nesse país é a sua língua e esse país é o lugar que você chama de casa: sua pátria.

Até que um dia, algumas pessoas assumem o poder e por causa de sua religião e da sua identificação como pertencente a um determinado povo, você é considerado um ser inferior e sujo. Demitem você e todos do mesmo povo de seus empregos, obrigam vocês a entregarem jóias, prataria, casacos de pele e quaisquer outras coisas de valor. Sem emprego, vocês são obrigados a vender a casa ou a devolver ao proprietário, se alugada. Não tem mais dinheiro para se aquecer no inverno (o país é frio) e começa a passar fome. Aí você é obrigao a usar uma marca, um símbolo que o identifica como membro do povo ao qual você pertence. Você não pode mais frequentar teatros, cinemas, restaurantes bares, ser membro de clubes tudo por causa de ser identificada como membro de um determinado povo. Seus amigos, que não fazem parte desse mesmo povo, se afastam com medo de serem perseguidos, presos e mortos. Até que capturam sua família e você, que havia conseguido mudar de país antes das coisas ficarem muito ruins, fica sabendo que todos foram assassinados, não sem antes passarem por muita fome, humilhação e sofrimento. 

Essa é a história do povo judeu na Alemanha e nos territórios que esse país ocupou durante o regime nazista de 1933 a 1945 e a segunda guerra mundial, entre 1939 e 1945.

Já li alguns livros sobre a Segunda Guerra e sobre o nazismo. Alguns narrando fatos de pessoas reais e outros de ficção. Nunca deixo de ficar triste e indignada com tanta irracionalidade, arrogância e burrice.

Não foi diferente ao ler Two Lives, do escritor Vikram Seth. Ele conta a história de seu tio avô Shanti Seth e sua esposa alemã, Henny Caro, que conseguiu emigrar para a Inglaterra em 1938, mas perdeu a família assassinada pelos nazistas.

Já conhecia o talento dele como escritor de começar  (e não terminar) A Suitable Boy e An Equal Music. Tendo nascido na Índia mas estudado e morado na Inglaterra e Estados Unidos, Virkam consegue traçar um panorama da vida nos três lugares de uma forma distante o suficiente para não ser parcial, mas próxima o bastante para não ser fria.

As pessoas cuja história é contada no livro permanecem vivas e suas experiências e emoções vão mostrando o momento histórico em que viveram, principalmente durante a segunda guerra e todo oh horror que foi aquilo.

O livro tem coisas memoráveis, tais como a discussão entre Shanti e um coronel inglês, enquanto serviam o exército aliado na África. A discussão ocorreu a respeito dos motivos do domínio inglês na Índia, ainda uma colônia inglesa.O coronel tenta justificar a colonização e Shanti fala que se os ingleses acham que os hindus são idiotas e por isso querem dominá-los, é possível. Mas dizer que é para o bem dos hindus ou que eles precisam de ser educados é inaceitável. A cultura hindu é muito mais antiga do que a inglesa. Na época dos romanos, pessoas do exército eram levadas para a Grã Bretanha como punição.

Abro um parêntese para lembrar que os alemães, com toda a sua idiotice em se considerarem superiores ao resto da humanidade, esqueceram-se de que também, na época do Império Romano, eram tão toscos que foram chamados de bábaros. Sem falar que a tomada de Roma por eles provocou aquele período que muitos chamam de idade das trevas. tsc tsc tsc

Outra passagem memorável do livro é a análise filosófica a respeito da paz feita por Alfred E. Rowett, em 1945. Ele era Chairman of the British Dental Association, conhecido de Shanti por este último ser dentista. Ele fala que esperava que a bomba atômica tivesse mostrado à humanidade que política e economia são um meio e não um fim. E não existe algo como uma paz permanente. Paz não é uma coisa estática: é o exemplo supremo do equilíbrio em movimento. E se nos privarmos do Absoluto eterno, inevitavelmente divinizaremos e tornaremos absoluta alguma coisa mundana.

O livro perde muito quando o autor passa a falar da vida de Henny através das cartas que ela trocou após o término da guerra e durante os anos quarenta. Ficam repetitivas e cansativas de se ler. Conseguem, porém, traçar um bom panorama do que foi viver na Alemanha depois do fim da guerra e como as pessoas, ao se deparerem com todas as privações que sofriam (faltava comida, aquecimento, roupas, empregos, casas) eram consequência da guerra que o país deles tinha começado.

Divido o livro em três partes: a primeira, interessante, vibrante, fala sobre a experiência do autor na casa do tio em Londres. A segunda, conta a vida do tio na Alemanha, quando conheceu a esposa e depois a vida dele na Inglaterra e durante a guerra. A terceira parte, falando da vida da esposa através da troca de cartas poderia ter um quarto do tamanho e sem a transcrição das cartas como feita. A última parte fala da vida do tio após o falecimento da esposa e também não é muito interessante. Mas o livro vale a pena pela primeira e segunda partes (de acordo com a minha divisão, não a do livro), até mais ou menos a página trezentos.

Bye Bye Bento XVI

Bento XVI renunciou. Ninguém comprou a versão de que seria por falta de condições físicas: idade avançada e doenças cardíacas. Seu antecessor, João Paulo II, visivelmente muito mais debilitado, aguentou até o fim. Vendo o velhinho rezar missas e distribuir benções mundo a fora, dava vontade de gritar: Vai para casa descansar, João Paulo. Mas ele não foi. E morreu papa.

Já no mesmo dia do anúncio da renúncia, começarasm as especulações sobre os motivos reais da renúncia: escândalo no Banco do Vaticano, acusado por alguns de lavar dinheiro, padres, bispos, cardeais ao redor do mundo acusados de pedofilia. Seria esse o motivo? O papa teria tentado "limpar" a igreja e não teria conseguido e por isso teria perdido seu apoio e, vendo-se isolado, preferiu renunciar? A questão da renúncia, a partir das especulações sobre os motivos por detrás, levaram a discussões a respeito da própria Igreja Católica, seu papel no mundo atual e sua sustentabilidade em face desses  dois problemas graves: acusação de lavagem de dinheiro em seu banco e de pedofilia praticada por vários de seus membros.

Em sua coluna de 18/02/2013, publicada na Folha de São Paulo, Luiz Felipe Pondé foi muito sábio ao afirmar que "a igreja teria um corpo mundano (pecador como o de todo o mundo) e um corpo místico (voltado a Deus, à eternidade, inserido no mundo assim como Deus encarnou num homem, Jesus)". Concordo. A Igreja é composta de seres humanos, como de resto todas as religiões do mundo. E o ser humano tem um lado iluminado e um lado negro. George R. R. Martin, genial autor da série Uma Canção de Gelo e Fogo, disse em uma entrevista (a igreja teria um corpo mundano (pecador como o de todo o mundo) e um corpo místico (http://youtu.be/fHfip4DefG4) que seus personagens não tem apenas um lado bom ou um lado ruim: sempre tem os dois. Para ele, a grande batalha é travada dentro do ser humano. A mesma pessoa capaz de atos generosíssimos pode ser um pedófilo ou espancar os filhos pequenos. Temos a possibilidade de ir para qualquer um dos lados: está tudo aí dentro. Qual uso vamos fazer de cada um é uma outra história.

Não dá para condenar a Igreja Católica como instituição apenas pelo que seus membros, seres humanos como nós, fazem. É e sempre foi assim. A Índia deu ao mundo Buda, Osho, os Upanishads, Taj Mahal mas tem um sistema terrível de castas que exclui qualquer pessoa considerada de casta inferior. Os Estados Unidos, onde a democracia nasceu e cresceu junto com a própria história do país, apoiaram e apoiam ditaduras horrorosas mundo afora, desde que favoreçam seus interesses. A Alemanha deu ao mundo Goethe, Beethoven, Bach, Einstein mas também deu o nazismo. O Brasil é famoso pela simpatia, alegria e hospitalidade de seus habitantes, mas também pela corrupcão e pelo "jeitinho" para se obter qualquer coisa.

Apesar da pedofilia e do escândalo do Banco do Vaticano, a Igreja Católica manteve a filosofia, literatura e arte durante séculos. É bom lembrar que se não fosse pelo Papa Júlio II, Michelangelo não teria pintado a Capela Sistina.

Antes de condenar a Igreja como instituição pelas falhas de seus membros humanos, demasiadamente humanos, parafraseando Nietzsche, é bom lembrar que todos nós temos um lado negro e um lado de luz. Às vezes um, às vezes outro aparece. E assim, tudo o que nós tocamos também vai ter esses dois lados. Afinal, a polaridade faz parte da vida e só não está sujeito a ela quem já se iluminou. E quem já se iluminou não tem um lado negro, apenas luz.

Tudo isso porque a polaridade faz parte da vida: sol e luz, dia e noite, seco e molhado, fogo e água e a polaridade última que é o bem e o mal, esse último personalizado na Bíblia como Deus e Satanás. Mas toda polaridade é apenas os dois lados de uma mesma moeda, tanto que na própria Bíblia, o mal foi criado por Deus ou, pelo menos, o seu autor, Satanás. Se tudo foi criado por Deus, inclusive Satanás, o mal também foi indiretamente criado por ele. A iluminação é, então, a transcedência da polaridade, a unidade. Mas para chegar até ela, é preciso viver a polaridade, que é o que nós fazemos aqui.  E só não está sujeito à polaridade quem já se iluminou. E quem já se iluminou não tem um lado negro, apenas luz.

Três Imperadores e a Estrada Para a Primeira Guerra



Assuntos relacionados à Primeira Guerra Mundial nunca me interessaram. Sabia apenas que havia sido iniciada quando o herdeiro do império austro húngaro, Franz Ferdinand e sua esposa, foram assinados em Sarajevo. E apesar da Sérvia ter atendido a todas as exigências feitas pelo Império Austro Húngaro, este invadiu aquele país assim mesmo. Apesar da falta de interesse sobre o assunto, fiquei curiosa quando li a respeito do livro de Miranda Carter, Three Emperors and the Road to World War One, publicado no Brasil com o título de Os Três Imperadores, editora Objetiva.

O livro em si é cansativo. Miranda Carter escreve muito bem mas desce a minúcias que tornam a leitura tediosa. A inserção de trechos de cartas o tempo todo quebra a narrativa e repete o que ela havia dito antes ou vai dizer depois. O número de pessoas mencionadas, na maioria das vezes com atuação secundária ou ainda menos importante, nos eventos narrados, fizeram com que, muitas vezes, eu não tivesse a menor idéia de quem se tratava. Outras pessoas que desempenharam papel relevante na história, como Lênin, são apenas mencionados, sem qualquer informação sobre o que faziam na época, como chegaram até o lugar que ocuparam.

Mas como quase nada é totalmente ruim, o livro foi um exemplo muito interessante de como a vida atropela as pessoas que se recusam a ver que mundo muda. Seja por uma megalomania que as fazem acreditar que possuem um direito divino a serem como são, a recusarem críticas e a acharem que quem manifesta opinião contrária é inimigo, como o Kaiser Willhelm da Alemanha, seja porque preferem fechar os olhos e ouvidos a tudo que não se passa dentro da própria casa, como aconteceu com o Tsar Nicolai. Quando nos recusamos a ver que o mundo mudou e a nos adaptarmos a essas mudanças, a vida nos atropela. E atropela tanto no âmbito de nossas relações pessoas quanto em nível maior, dependendo do nosso âmbito de atuação no mundo à nossa volta.  O Tsar Nichalai, por anos, recusou-se a ouvir e a tentar atender os pedidos de reforma. Quando achou que o órgão que ele próprio criada, o Duma,  tentava ter representação no governo e pleiteava mudanças pressionou o Tsar, já durante a guerra, ele simplesmente o aboliu. 

Dos imperadores do título, o único que continuou a ser imperador após a guerra foi George V, da Inglaterra. Mas se antes da guerra o papel do rei inglês já era muito reduzido, após a guerra adquiriu a feição que tem até hoje. Como disse Miranda Carter no livro (pag. 495, da edição da Penguin: "it was George who established the British monarchy as the domestic, ceremonial, slightly stolid creation it is today". Ele foi esperto de agir assim. As monarquias européias, que na segunda metade do século XIX, ficaram na contra mão da história, tentando manter seus privilégios, fechando os ouvidos aos pleitos de quem não tinha terras ou origem nobre, sem perceber que o mundo havia mudado, foram para o reino do beleléu. E nunca mais saíram de lá.

domingo, 15 de março de 2015

Por Que Virei à Direita? Não Consegui Entender.

Gosto muito das colunas de Luiz Felipe Pondé e João Pereira Coutinho, publicadas no caderno Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo, nas segundas e terças feiras, respectivamente. Por isso fiquei curiosa para ler o livro Por Que Virei à Direita, escrito por eles e também por David Rosenfield (ed. Três Estrelas). Sabia que o livro havia sido divido em três partes, três ensaios, um de cada autor, justificando porque passaram a seguir uma linha político filosófica de direita, no lugar de uma linha de esquerda. O entusiasmo com que comecei a ler foi o mesmo com que comecei a ler Deus, Um Delírio, do biólogo inglês Richard Dawkins (Editora Companhia. das Letras). A decepção também foi parecida.


Em Deus, um Delírio, Richard Dawkins tenta (e falha) demonstrar que a teoria da evolução é um fato comprovado. Não é. É uma teoria criada em cima de descobertas arqueológicas. As descobertas arqueológicas são um fato. A evolução é a teoria. Não obstante a beleza e lógica da descoberta (que eu, inclusive, acredito ser verdadeira), continua sendo uma teoria. Ele confronta a teoria da evolução com a idéia de Deus. Mas não convence no sentido de que uma é um fato (evolução) enquanto a outra é mito. Não pretendo dizer que uma vale mais do que a outra, mesmo porque acho que a idéia de Deus e a teoria da Evolução são perfeitamente compatíveis. Mas ele se propôs a uma coisa e não conseguiu. Daí minha decepção.


Tive a mesma sensação ao ler Por Que Virei à Direita. Os autores tentam justificar, do ponto de vista filosófico, porque o que se convenciou a chamar de direita em contraposição à esquerda, é melhor do que esta última, mas só conseguem atacar os esquerdistas. Mencionam as barbaridades feita pelos adeptos da chamada esquerda ao longo do século XX, no que tem toda a razão. Mas não conseguiram demonstrar como o mau uso da filosofica política dita de esquerda afeta a filosofia em si.


Dos ensaios em si, do que mais gostei foi o de David Rosenfield. Achei os outros dois um pouco "name droppers". Gostei de ver que Luiz Felipe Pondé, casado com uma psicanlista como ele informou no programa Roda Viva, concorda comigo no sentido de que o ser humano é dominado por suas paixões e não consegue usar a razão para contrá-las. Abrindo um parêntese, sempre achei que nossa capacidade de raciocinar nos especifica com relação aos animais nossos companheirs de gênero (biologia) mas não é a caracterísica que nos define.

Também concordo com Pondé no fato de que a esquerda, ao tentar estabelecer uma igualdade entre desiguais - afinal cada ser humano tem sua individualidade e capacidade - cria uma igualdade artificial e imposta, o que não se sustenta sozinha ou necessita da opressão e violência para se manter.

Mas, no geral, como mencionado acima, os autores falharam em apontar os erros da esquerda. Os erros que  apontam se referem à conduta dos esquerdistas e não à doutrina da esquerda em si. É o mesmo que criticar os ensinamentos de Jesus tomando-se por base a conduta dos cristãos (inquisição, venda de indulgências, perseguição aos muçulmanos nas cruzadas e aos judeus durante o holocausto e também em épocas anteriores, intolerância, apoio à escravidão) ou de Buda levando-se em conta a conduta dos Budistas ou de Maomé considerando os muçulmanos, etc.

Enfim, a proposta do livro é interessante mas de argumentação falha. E me fez acreditar mais naquilo que costumo dizer quando se discute qual filosofia política é melhor, esquerda ou direita: o problema não está na linha filosófica ou política. Está no ser humano. Se o ser humano se tratar e passar a ser senhor de si, qualquer linha filosófica ou política será boa. Ou talvez não haverá necessidade de nenhuma.  

Saia Justa

Sempre gostei do Saia Justa, desde os tempos em que tinha Maitê Proença, Rita Lee, Fernanda Young e Monica Waldvogel, a única da versão original que ficou até o final do ano passado. Como gosto da Astrid e da Barbara Gancia, fiquei curiosa para saber como seria a nova versão. Não conhecia as duas novas participantes, Maria Ribeiro e Monica Martelli.

Confesso que não gostei.

Monica Waldvogel faz falta. Sua calma e fienza nunca a impediram a de mostara quem era a âncora. Todos os participantes falavam aproximadamente o mesmo tempo, todos conseguiam desenvolver e terminar um raciocínio sem serem interrompidos e ninguém falava ao mesmo tempo, cortando a fala do outro. Tudo isso desapareceu no novo formato. Astrid não conseguiu, pelo menos até agora, manter as rédeas e nenhuma pessoa consegue terminar uma frase sem ser interrompida por alguém. E a partir da interrupção, ficam duas ou mais pessoas falando ao mesmo tempo, não dá para entender nada e a gente fica sem saber o que a pessoa não conseguiu dizer.

Como não assisti muito aos episódios originais, nos idos de abril de 2002, não sei se aconteceu a mesma coisa e o tempo foi lapidando até se conseguir a sintonia dos episódios do ano passado, 2012. Mas a versão atual está ficando cada vez mais chata de se assistir. As participantes não conseguem ter o mesmo tempo de fala, não conseguem terminar um raciocinio, não tem paciência de esperar a outra pessoa falar. Fizeram isso até mesmo com o primeiro convidado, o fantástico Jean Willis, demonstrando que está muito à vontade na posição de deputado federal, sabe do que está falando e tem um farto embasamento histórico, social e cultural para defender as causas que escolheu. Muitas vezes ele, tentando chegar à uma conclusão em um assunto interessante, era interrompido por algumas das participantes. Muito ruim.

Espero que aos poucos as coisas se acomodem, elas cheguem a um acordo e tenham mais paciência em esperar cada um terminar de falar. Sei muito bem porque isso acontece porque eu, se não me policiar, interrompo todo mundo também, por pura ansiedade.

Boa sorte para elas.

Onde Está o Mal?

Seria muito confortável se o mal estivesse onde todos gostaríamos: lá fora, no mundo, no outro. Nunca dentro de nós mesmo. Mas não é o que acontece. O mal está em todo lugar, inclusive dentro de nós mesmos. Mesmo porque, se Deus criou o Universo, criou o mal também. Ou, pelo menos, permite que ele exista por algum motivo. A idéia mais elegante para o mal até agora, é que faz parte da dualidade na qual a vida em três dimensões existe.

Poucas vezes vi ou li algo que monstrasse a idéia de que o mal está dentro de nós como o filme A Garota da Capa Vermelha (Red Riding Hood, na versão original). Trata-se de uma versão para adultos e muito mais dark da história de Chapeuzinho Vermelho, que vai visitar a avó que mora no meio da floresta e, quando chega na cabana onde a velhinha mora, encontra o lobo que havia comido a avó e quase come a menina também. Se não fosse o surgimento providencial de um caçador que mata o lobo, era uma vez Chapeuzinho Vermelho.

A história no filme é parecida. Um lobo mata uma moça e homens da vila onde a menina morava, que é cercada por todos os lados, vão atrás do lobo nas grutas onde acreditam que ele vive. O lobo é velho conhecido da aldeia, já que matou outras pessoas antes, mas há vinte anos estava quieto, tranquilo, sem matar ninguém. Na expedição, o lobo faz mais uma vítima mas os homens conseguem matá-lo e trazem sua cabeça em uma estaca, como troféu. Na noite da comemoração, a cabeça fica ali, mostrando a vitória sobre o lobo.

Pelo menos é o que todos acham, menos o Padre que chega para "exorcisar" o lobo. De cara ele avisa que o lobo morto é um lobo comum, enquanto o que matou a menina é um lobisomem, criatura muito mais difícil de ser encontrada, principalmente porque durante o dia assume a forma humana. E, avisa, o lobo mora dentro da aldeia, que é onde vocês tem que procurar. O lobisomem é um de vocês. Claro que ninguém acredita, porque como todos nós, não acreditam que o mal possa estar dentro deles, dentro da aldeia, e ser um deles.

Mas era. O lobo era exatamente alguém dali de dentro. E o filme vai dando pistas e também vai mostrando como procuramos o mal no outro, em quem é diferente, em quem resolve viver à margem. Mas não adianta porque ele sempre vai aparecer, de uma forma ou de outra. Já foi dito que quem quiser tirar um cisco do outro do outro, deve primeiro tirar a trave do próprio olho. Nada mais correto.

O Trem do Fim do Mundo

No Parque Nacional da Tiera del Fuego, em Ushuaia, na Patgônia Argentina, há um trem chamado de Trem do Fim do Mundo. Não é um trem que vai até o fim do mundo propriamente dito, mesmo porque, em um planeta redondo (mesmo com umas partes meio chatas), não há um fim do mundo que mereça esse nome. Sempre é possível continuar seguindo, sempre.

O trem tem esse nome porque a idéia por detrás da sua construção era mesmo construir uma rodovia até o fim do continente, utilizando presidiários como mão de obra escrava. O material utilizado para a construção tanto da ferrovia quanto do trem foram as ávores ao redor das linhas.

O trem sai do nada e vai para lugar nenhum, dentro do próprio parque da Tiera del Fuego. As paisagens são bonitas, mas nada diferentes do que se pode ver dentro do próprio parque, em outros lugares. Enquanto o trem segue, é possível ver, dos lados, a devastação nas árvores, provocada pelos presidiários que trabalharam na sua construção. Dentro vai-se contando a história da construção do trem, como os presos sofreram por causa das condições a que eram submetidos, durante o inverno, sem roupa adequada. Um horror.

Não recomendo. De jeito nenhum.

A Vida, o Universo e Tudo Mais

Imgine que a Terra é um computador poderosíssimo projetado por um outro computador, chamado Pensamento Profundo, poderoso mas não tanto quanto a Terra. Sua criação foi feita a pedido dos Ratos,  os seres mais inteligentes daqui. A forma de rato é apenas a maneira escolhida para que seres hiperinteligentes e pandimensionais se manifestassem no nosso universo. Isso significa que os humanos não são a espécie mais inteligente. Nem mesmo a segunda, lugar que pertence aos golfinhos.

Pensamento Profundo, o computador que projetou a Terra, consegue chegar à resposta para a pergunta definitivia sobre a Vida, o Universo e Tudo o Mais: 42. Mas quando dá a resposta, despois de pensar por sete milhões e quinhentos mil anos, há um certo desapontamento. Não esperavam ESSA resposta. Bem, Pensamento Profundo fala que a resposta é essa mesma, está correta e que o problema existe porque não souberam fazer a pergunta, em primeir lugar. Qual pergunta? Bem, a pergunta defintiva a respeito da Vida, do Universo e de Tudo o Mais. Perguntam se ele consegue fazer a pergunta. Ele diz que não mas que o computador poderosíssimo que virá depois dele, e que ele mesmo vai projetar - i.e., a Terra - conseguirá fazer a pergunta. Só que a Terra é destruída cinco minutos antes do programa conseguir fazer a pergunta, para dar lugar a uma ultra rodovia espacial. 

As cenas acima estão no sensacional Guia do Mochileiro das Galáxias, escrito por Douglas Adams entre 1979 e 1982. É o nome tanto do primeiro livro quando da série inteira, que compreende também: O Restaurante no Final do Universo; A Vida, O Universo e Tudo o Mais; Até Mais e Obrigado por Todos os Peixes e Praticamente Inofensiva. Adams morreu aos 49 anos, em 2001, por causa de um ataque cardíaco. Uma pena. Foi homenageado pelo Google no que seria seu 61o aniversário, com um doodle (http://www.google.com/doodles/douglas-adams-61st-birthday) no qual consta algumas de suas frases que passaram para a cultura pop, como "don´t panic!" e "babel fish que foi, inclusive, o nome de um dos primeiros tradutores online.

Esse ano eu me torno a resposta para a pergunta definitiva sobre a Vida, o Universo e Tudo o Mais. Não vou contar qual é para não estragar a surpresa de quem quer ler.

Lost in Translation

No filme Lost in Translation (NBC Univesral, 2003), Sophia Coppola descreveu o isolamento de alguém perdido em um país no qual não se entende nada: um ator americano decadente vai para Tokyo gravar um comercial e, no hotel em que está hospedado, conhece a esposa de um fotógrafo. Ambos não conseguem dormir por causa do fuso horário e ambos não entendem nada da língua. O filme vai além da própria compreensão da língua, porém. Retrata o isolamento de alguém que se sente completamente estrangeiro em um país. Daí o nome: Lost in Translation (Perdido na Tradução, em uma tradução literal do nome, já que no Brasil o filme recebeu o nome ridículo de Encontros e Desencontros).

Lost in Translation, o filme, me veio à cabeça durante a leitura de The Restaurant At the End of the Universe, livro dois da série The Hitchhiker´s Guide to the Galaxy, sendo que o primeiro tem o mesmo nome da série. A tradução brasileira é O Restaurante no Fim do Universo, o que está errado. O certo seria O Restaurante Ao Final do Universo.At, em inglês, é preposição de tempo. Encontro você às três da tarde: I´ll meet you AT three pm. O Fim do Universo do livro não é a fronteira física do universo mas sim o momento em que o universo termina.

Talvez em esteja falando bobagem ao criticar a tradução porque tempo e espaço não são realidades separadas. Estão juntos, apesar do efeito desse fato só conseguir ser notado em grandes velocidades e grandes massas, e quando digo grandes velocidades quero dizer a velocidade da luz, e quando digo grandes massas, refiro-me a planetas ou estrelas. Nessas dimensões, não é tanto o tempo que levamos para ir de um lugar ao outro quanto o espaço que se encurta para se aproximar de nós. Tudo muito complicado para uma mente evoluída para atuar em só três dimensões.

Mesmo assim O Restaurante é AO final do universo e não NO final do universo.

Acorda, Congresso!!!

Em sua coluna de 21/12/2012, a jornalista Barbara Gancia comenta da falta de atuação do Congresso Nacional, salientando que se não fossem as medidas provisórias, nossos Presidentes não conseguiriam governar.

Essa semana, entrou em vigor a Resolução n. 75 do Conselho Nacional de Justiça, obrigando os Cartórios de Registro Civil a celebrarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo ou, ainda, converterem uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo em casamento. Quem se recusar, será representado à Corregedoria do Tribunal de Justiça à qual está submetido.

A Resolução tem nítido caráter legislativo, o que em tese, seria atribuição do Congresso Nacional. Que, como já havia dito Barbara Gancia na coluna mencionada no primeiro parágrafo, não decide essa questão, importantíssima, a respeito do direito de pessoas homossexuais se casarem e poderem usufruir dos mesmos direitos conferidos às pessoas casadas de sexo diferente.

Não foi apenas nessa situação em que órgão diverso daquele designado pela Constituição atua como legislador. O Poder Judiciário, através do seu órgão máximo, o Supremo Tribunal Federal, tem decidido em inúmeros casos de forma genérica, nitidamente com caráter legislativo, seja porque não há lei regulamentando aquele caso em concreto e estendendo os efeitos da decisão para casos análogos, seja porque a lei é inadequada ou antiquada. Considerando que as coisas tem mudado muito rápido no momento em que vivemos, uma lei editada há dez anos já pode estar andando de bengalinha e meio surda.

Daí a necessidade de um Congresso que atue rápido e consigo regulamentar as situações tais como elas se apresentam agora, ou pelo menos como se apresentavam há pouco tempo atrás. Senão, vai ficando cada vez mais para trás e permitindo que outros órgãos legislem em seu lugar, por pura e simples falta de outra opção.

Primitivo

Em uma de suas crônicas (não lembro qual nem onde foi publicada), Cecília Mireles narra um jantar em uma churrascaria de Buenos Aires, que não lhe foi muito agradável por causa de sua "alma vegetariana", como ela refere a si própria: a maquiagem e os casacos de pele que usavam lhe remeteram às mulheres da época das cavernas, que também pintavam o rosto, usavam roupas de pele e comiam carne.

Sendo eu mesma vegetariana, nunca tinha percebido essa visão de que algo considerado muito sofisticado como casacos de pele e maquiagem para um jantar à base de carne podem ser vistos, na realidade, como primitivos.

Essa crônica ou melhor, o pedacinho dessa crônica da Cecília me veio à mente em um final de semana em tempos não muito distantes. Em uma cidade do interiror de Minas Gerais, houve um evento no qual pessoas passeavam montadas a cavalo ou em charretes, puxadas por eles ou por burrinhos, em um dia de domingo.

A imagem que me veio foi de algo primitivo. Afinal, em uma época onde há aviões supersônicos, comunicação em tempo real para qualquer lugar do planeta, permitindo ver e ouvir quem está falando, tripulantes da estação espacial postando fotos e imagens na internet também em tempo real, utilizar animais como tração ou meio de transporte apenas por esporte é algo muito, mas muito primitivo mesmo.

Com muita má vontade, faço uma exceção àquele sitiante pobre que não tem mesmo condições de comprar um meio de transporte mais moderno do que um bichinho. Faço essa exceção para ele e ninguém mais, muito menos para as charretes do Central Park em Nova York, cidade considerada a mais urbana e cosmopolita do mundo, ou para as charretes das ruas de Amsterdam, considerada a mais. Charretes não tem nada de moderno nem de liberal e quem paga para andar nelas deveria ter vergonha de fazer algo tão primitivo. Ou ancient régime. 

E que ninguém venha me dizer que os cavalos gostam de ser montados ou de puxarem charrete. Duvido. Para serem submetidos a isso, eles recebem um ferro (ou algo parecido) atravessando sua boca, um negócio amarrado na barriga, trabalham apanhando, sem comida e sem água e ainda levam uma carga em cima que lhe bate com os pés nos flancos ou dá espetadas de espora. Também duvido que eles, uma das espécies mais inteligentes da terra, gostem de correr loucamente em volta de uma pista oval para glória (ou fracasso) de quem os monta ou de quem aposta dinheiro neles ou de que gostam de pular obstáculos sem sentido nenhum.

Realmente acho primitivo, muito primitivo, em pleno Século XXI, seres supostamente racionais um animal como meio de transporte ou de tração, simplesmente por diversão.

Moral de Quem? Bons Costumes de Quem?

Amei o texto escrito por Fábio Porchat para o Estado de São Paulo (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,humor-e-ferir-a-moral-e-os-bons-costumes--,1032725,0.htm) comentando a atitude do consumidor que requereu, judicialmente, que um vídeo do grupo humorístico Pela Porta dos Fundos tivesse sua veiculação proibida.

O vídeo narra uma moça em uma lanchonete pedindo um sanduíche e o atendente oferece um negócio chamado "rola". O vídeo gira em torna disso. E aí, um senhor se ofende com o vídeo e quer que ninguém mais assista porque, como ele mesmo falou, é "contra a moral e os bons costumes". E foi por causa dessa história que Fábio Porchat, sócio fundador do Porta dos Fundos escreveu o texto no Estadão. Ele pergunta: moral de quem? Bons costumes de quem? Desse senhor, obviamente. Mas não necessariamente das outras pessoas.

É interessante como os arautos dessa "moral e bons costumes" acham que detém o código de conduta da humanidade e querem impô-lo a todo mundo. Mesma coisa acontece quando grupos religiosos tentam tornar crimes condutas que consideram pecado. Relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo é considerado pecado? Então vamos criminalizá-lo. Algo me ofende sabe-se lá por que? Quero proibir qualquer outra pessoa de ver.

Essa atitude é típica das pessoas que, por seguirem um código de ética própria, que acreditam que esse Código é O código de ética da humanidade, seja ele religoso ou filosófico. E por seguirem esse código de ética, acreditam que é o único válido e querem impor sua visão a todos os outros. Se o código é religioso, coitados dos "infiéis". Se é filosófico sem caráter religioso, coitados dos "imorais".

E é aí que a vida fica chata. Porque a vida não vem escrita em tabulinhas, como disse João Ubaldo Ribeiro no fantástico Viva o Povo Brasileiro. A vida muda e cada hora a gente precisa agir de um jeito. A própria Bíblia é cheia de contradições porque a vida é assim: não há regras rígidas a serem seguidas por todo mundo o tempo todo. Cada momento pede uma coisa. Jesus mandou dar a outra face quando alguém nos batesse mas entrou batendo nos vendedores do tempo. Quem acha que só dar a outra face está certo, exclui a necessidade de dar umas porradas de vez em quando. 

Algo pode ser imoral para mim e ferir os meus "bons" costumes mas nada me dá o direito que proibir quem quer se seja de ver essa mesma coisa. As pessoas não são imaturas. Cada um tem todos os elementos para decidir para si e para seus filhos menores o que é adequado ou não. Achar que as pessoas não tem condiçoes de decidirem por si próprias o que é bom para elas é arrogância pura, pois não estou dentro da pele do outro para saber o que é melhor para ele.  Quem sabe o que é bom para o outro é ele próprio. E quem sabe o que é bom para mim sou eu. Não cedo a ninguém o direito de decidir o que é e não é conveniente para mim.E por isso, o que para mim pode ser ofensivo, para outra pessoa pode ser uma fonte inesgotável de gargalhadas. E cá entre nós, o mundo está mesmo precisando de muitas gargalhadas.

E pra terminar,
"Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço;
A (vida) já me deu régua e compasso
Quem sabe de mim sou eu
Aquele abraço!"

Obs.: a letra original diz A Bahia já me deu régua e compasso. Como não sou baiana, fiz só essa alteraçãozinha na letra.

Mulher Produto e Mulher Troféu

Carol Patrocínio, no seu blog Preliminares, hospedado no yahoo (http://br.mulher.yahoo.com/blogs/preliminares/mulher-produto-nova-mulher-trofeu-095403018.html) critiou a declaração do marido de Ana Hickman, quando ele se referiu a ela como um "produto de 32" anos. Em síntese, Carol Patrocínio compara a "mulher produto" à "mulher troféu" e defende o direito das mulheres de não serem vistas como um objeto, seja ele de beleza, de cozinha, ou qualquer outra coisa que sirva de motivo para as pessoas "se aproveitarem" disso. Porque, diz ela, "somos mais do que mulheres produto e merecemos mais do que homens interesse".

Esquece-se Carol que os relacionamentos humanos se fundam em trocam. A moeda de troca varia de pessoa para pessoa e normalmente consiste naquilo que cada um necessita naquele momento. E claro, cada um vai se relacionar ou tentar relacionar com quem tem o objeto disponível, seja ele dinheiro, fama, poder, emoções fortes, dependência (essa normalmente aparece nos dois lados em um relacionamento, por isso é melhor falar em codependência), alegria, capacidade de dar filhos. A lista é longa.

E também é uma via de mão dupla. Não existe homen interessado em mulheres objeto sem que haja uma mulher disposta a ser um objeto. Outro troféu. Ou cozinheira. Ou amante. Ninguém é inocente e todo mundo escreve a própria história. Se o marido de Ana Hickman se referiu a ela como um produto é porque, muito provavelmente, ela se transformou ou se deixou transformar nesse produto. E não consigo ver nada de errado nisso. Se o relacionamento deles gira em torno apenas desse "produto", se eles são felizes assim, o problema (se é que existe algum) é deles.

Essas discussões me lembram um episódio de Lie to Me. Nâo me recordo de qual temporada ou qual episódio. Nesse episódio a equipe do Dr. Carl Lightamn é contratada por um milionário para descobrir se a noiva dele sabia quem ele era (e, consequentemente, quão rico) quando se conheceram em um bar. Ela sustenta que não fazia a menor idéia de quem ele era. Eles descobrem que ela realmente sabia quem ele era quando se conheceram e, de resto, sabia que ele era muito rico. Mas descobrem, também, que ela é realmente apaixonada por ele. Apesar dela ter mentido a respeito de não saber dele e do dinheiro, ela realmente o amava. No caso, o dinheiro fazia parte de quem ele era e ela não via como uma coisa separada dele. Não havia interesse puro e simples no dinheiro ou na ascesão social que ele permite. Só que o fato dele ser extremamente rico implicava na capacidade de ser bem sucedido e era um dos motivos pelos quais ela o amava. Muito diferente seria se ela tivesse se aproximado dele única e exclusivamente por causa do dinheiro e se o dinheiro fosse a única razão de estarem juntos: aí o interesse seria unicamente no dinheiro e seria irrelevante quem o detivesse.

Esse raciocínio pode ser trazido para o que Carol Patrocìnio chama de mulheres objeto ou de mulheres troféu. O fato de que o marido de Ana Hickman se referiu a ela como um produto não significa que não a ama ou que ela não o ame, nem que o relacionamento deles seja falso. Significa que naquele momento, ele a via como um produto e ela se deixou ver assim. E se ele tenta negociar o contrato dela com a emissora, nesse aspecto ela realmente é um produto. Não significa que seja só um produto nem que não seja algo mais. Só que seja lá o que ele a considera, é problema deles e de ninguém mais.

As pessoas se relacionam de acordo com o que são seus valores, seus desejos, suas expectativas. E se encontram alguém que preencha essas expectativas, satisfaçam seus desejos e tenham os mesmos valores, o relacionamento engrena, ainda que de forma patológica. Considerar que o relacionamento entre um homem poderoso e uma mulher troféu é ruim por si só é desconsiderar a complexidade imensa da personalidade humana, que tem mais lados do que um prisma e reflete muito mais nuances do que o expectro da luz.

sexta-feira, 13 de março de 2015

PARIS, A CIDADE PSICOATIVA



José Eduardo de Almeida Leonel Ferreira


Paris é psicoativa. Não há propriamente a sensação de estar em uma cidade. Sim, existem ruas, avenidas e calçadas, mas não parecemos passar por elas. Na verdade, nos movemos num ambiente mental que parece ignorar estes detalhes concretos. Há uma forte impressão de que ingressamos, com o correr do dia, no estado de “fluxo”, no qual os fatos se sucedem numa cadeia mental de sensações que parecem ignorar o tempo real e a materialidade das coisas.


Você não conhece Paris, você sente Paris. Você não anda por Paris, você “flui” por Paris. No final do dia, claro, há a lembrança dos museus visitados, da comida perfeita, etc, mas só se você pensar nos fatos isolados. O que é estranho é que, como um todo, os estados mentais é que prevalecem, como em um condição onírica na qual você se lembra do medo, da alegria que teve, mas não do roteiro específico e completo do que sonhou. Paris, como nenhum outro lugar que conheci, parece conseguir rasgar a capa da realidade, esta chata, para te envolver nas brumas de alguma coisa equivalente a uma vivência alternativa, entorpecidamente feliz. Não aquela felicidade imbecil dos comerciais de televisão, intoxicados pela idéia da felicidade adolescente, exultante, eufórica. Não. Falo da felicidade de que nos contava Tom Jobim ao observar, calmamente, belas mulheres passeando em Copacabana e cujo sentido parece ter se perdido nestes tempos de aceleramento compulsório de todas atividades humanas. Falo de uma delicada alteração do espírito no qual a mente se aquieta e várias belezas se acumulam de modo deliciosamente desorganizado e holográfico dentro de nós, para formar a impressão generalizada de que o belo nos intoxicou de tal jeito que rompeu, ainda que momentaneamente,  a casca dura e cruel que nos separa dos sonhos.

O Viajante Experiente

Poucas coisas são mais chatas do que aquelas pessoas que acham que tem a solução para tudo. E pior, que a solução delas é a única. E sem que você queira ou tenha pedido, começam a contar porque a solução delas é a melhor e sempre começam a frase com "você tem que...".

Cada aspecto da vida tem os tipos assim. Um dos mais irritantes é o que se julga "o viajante experiente". Aquele que pensa que só são bons os hotéis em que ficam, a companhia aérea pela qual viaja é a única descente, as roupas que usa são as únicas apropriadas, a quantidade de dinheiro que leva é a única que serve, os lugares que visita são os únicos que valem a pena. E como se não bastasse o seu modo absoluto de ver o mundo, é o ó quando adota um ar professoral e condescendente e começa a te dar uma verdadeira aula de como viajar. As frases sempre começam como "você tem que...". Se você for a ***, você tem que ficar no hotel X. Se você estiver com fome, você tem que comer no restaurante ***. Se você visitar o país *** você tem que ir em *******. 

Enfim, um horror. Sempre que me deparo com um tipo (ou tipa) desses, procuro um coelho para correr atrás, mesmo que seja para dentro de um buraco. Ou aplico o bom e velho golpe do banheiro. Ou simplesmente digo que tenho Something else. E caio fora.

Essas pessoas não se dão conta de que quem é viajante de verdade sabe que roupa ideal depende de quem está usando, do que vai fazer, para onde vai. Quem gosta de escalar montanhas não vai levar uma bota salto 15 nem um bolsa chanel. Quem vai pra Ibiza curtir balada provavelmente não vai passar na North Face antes. Quem vai tomar chá da tarde no Ritz de Paris não vai vestir canga, parte de cima do bikini e hawainas. E por aí vai. Cada um tem seu jeito. Ou como diz uma amiga muito querida, cada um é cada um.  Viajante de verdade nunca vai dizer que só usa uma roupa assim ou assada porque é "chic". Viajante de verdade sabe que qualquer frase que tenha a palavra "chic" passa a ser brega. O que é mesmo chic prescinde do adjetivo chic. O que precisa ser adjetivado de chic, é mesmo brega.

Viajante de verdade come o que pode e o que tem vontade. Mas há quem faça viagens grastonômicas, afinal o mundo a gente conhece vendo, ouvindo, cheirando, pegando e provando. Por isso viajante de verdade não come só comida do próprio país quando viaja. Mas se sente vontade de comer a comida de casa, também não tem problema algum. Não é porque se está longe que se está proibido de comer alguma coisa da qual se gosta. Justamente porque durante uma viagem, à vezes, dá saudades de casa. Nada mais normal. E nada melhor para matar as saudades de casa do que comer alguma coisa que é feita "lá em casa". Claro que não vai ter gosto igual. Nunca tem. Mas está valendo também. 

Viajante de verdade nunca te diz o que você deve levar numa viagem. Ele apenas conta o que ele próprio leva e porque leva. Talvez isso possa te dar umas idéias do que levar em uma próxima viagem. Talvez não. O que é bom para o viajante pode não ser para outra pessoa. Ninguém sabe o que é melhor para a gente do que a gente mesma. Nunca vai te dizer para ficar nesse ou naquele hotel. Vai apenas contar a experiência dele e se você quiser ficar no mesmo lugar, ótimo. Ele também não vai dizer quanto você deve levar na viagem, porque ele não sabe qual sua situação financeira e o que você pretende fazer. Mas pode te contar quanto leva normalmente ou quanto as coisas custam em no lugar para onde ele foi e para onde você está indo, para que você possa decidir por você mesmo.

O viajante de verdade também não vai dizer que um lugar é melhor do que outro, que aquele país é melhor do que o outro. Ele sabe que cada experiência é única e um lugar que para ele pode ter sido maravilhoso, para outra pessoa pode ter sido uma tortura. 

O "viajante experiente", na realidade, é uma contradição em termos. Viajante à altura desse nome sabe que vale a pena conhecer todos os lugares. Qual lugar vai ser visitado nesse momento depende de quem vai, do que quer fazer, do humor. É algo subjetivo.  Muito subjetivo. Há quem goste de viajar só na executiva porque é muito mais confortável. Mas há quem não tem grana para pagar a executiva e quer mesmo é chegar. E há quem, mesmo tendo o dinheiro, acha que poderia gastar em outras coisas, já que uma noite mal dormida não tem tanto problema assim. Há quem nunca viaje sozinho. Há outros, como Amir Klink que passam meses andando por aí com a própria companhia. Há quem leve umas três malas porque quer levar um pedacinho da casa junto. Há quem vá apenas com uma mochila nas costas e também fica com a sensação de que está levando a própria casa nas costas. Há quem só fica em hotel cinco estrelas. Mas tem também quem fica feliz só de ter uma cama pra dormir. E se não tiver uma cama, uma barraca está ótima. Há quem alugue um carro de luxo e há quem usa o polegar, pra pegar carona. 

O viajante de verdade é apenas uma espécie daquele gênero de pessoas que sabem que não tem o direito de dizer como os outros devem levar a própria vida. E, no caso deles, de como devem viajar.

A Filosofia Morreu?

Tendo lido A Brief History of Time e ath Universe in a Nutshell, ambos escritos por Steohen Hawking, só decidi comprar A Grand Design, um resumo dos dois, escrito por ele também (juntamente com Leonard Mlodinow) por causa da frase que abre o livro: Philosophy is Dead. 

Stephen Hawking realmente acha que a filosofia morreu, porque boa parte com as quais ela se preocupou ao longo de sua existência, passaram a ser objeto de estudos de várias áreas da ciência: como e quando surgiu nosso universo; do que a matéria é composta; de onde viemos, para onde vamos e porque existimos; o que nos faz felizes e o que nos deprime. 

Como e quando o Universo surgiu é matéria estudada pela astrofísica. De onde viemos e porque estamos aqui é objeto de estudo da biologia, principalmente depois da publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, em 1859. A nossa relação íntima com o que observamos, influenciado no evento observado é uma das grandes descobertas da física quântica. E, finalmente, as grandes questões existenciais tais como "ser ou não ser" ou como ser feliz passaram a ser estudadas pela psicologia, após as grandes descobertas de Freud no final do século XIX e início do século XX, com o auxílio da química, que vem desenvolvendo remédios para auxiliar no tratamento das doenças da alma.

Não ficou mesmo nada para a filosofia se ocupar. Basta ver, por exemplo, o livro O Que a Filosofia Pode Fazer Por Você, do filósofo suíço Allan de Botton. Ele sugere idéias filosóficas desenvolvidas pelos mais diversos pensadores ao longo da história da filosofia para nos ajudar a lidar com situações como coração partido e outros problemas da vida cotidiana. Gostei muito do livro sob o ponto de vista literário (Allan de Botton escreve bem) mas não acredito que as sugestões sejam de algum auxílio. Imagine-se a situação de uma pessoa apaixonada e que foi traída e abandonada. Nenhuma filosofia vai atuar nos seus sentimentos, fazê-la se sentir melhor. Pode dar um pouco de perspectiva ou mudar o vértice. Mas dificilmente vai atuar no sentimento de abandono e traição. Para isso nada melhor de que algumas (ou várias) sessões de psicanálise. 

Mesmo assim, não concordo com Stephen Hawking quando disse que a filosofia morreu. Acho que não morreu, mas apenas seguiu seu curso, cumpriu seu papel e exauriu suas funções. Mais ou menos como um barco que nos permite atravessar um rio mas, depois da travessia, deve ser deixado para trás, na margem do rio, pois se tivermos de carregá-lo nas costas, se tornará um fardo.

A filosofia é assim. Nos ajudou a chegar até aqui mas não tem condições de nos levar além, a não ser nos fazer andar em círculos. 

Ópera

Nunca gostei gostei muito de música lírica. A forma de canto me dá aflição, parece que estão sendo torturados, e é estranho não conseguir entender o que estão cantando. Por conta disso, nunca me aprofundei no assunto e minhas opiniões são baseadas no pouquíssimo que já ouvi. 

Duas cenas em dois filmes diferentes me deixaram curiosa a respeito de ópera: a personagem de Julia Roberts em Uma Linda Mulher, na cena em que assiste a uma ópera pela primeira vez e o personagem de Tom Hanks em Filadelphia, ouvindo Maria Callas cantar La Mamma Morta, ária da ópera Andrea Chénier. Mas até então nunca tinha ouvido ou assistido uma ópera, o que só aconteceu anos depois.

Estava em Washington, nos Estados Unidos para um evento profissional e alguns colegas haviam decidido assistir a uma montagem de Nabuco, de Verdi, no Kennedy Center, e me convidaram para ir com eles. Decidi aceitar o convite. Afinal, gostava do Coro dos Escravos e se tinha que assistir a uma ópera pela primeira vez, que fosse mesmo uma de Verdi, considerado, pelos entendidos no assunto, um mestre do gênero. 

A experiência foi um fracasso.

Como forma de linguagem, a qual se propõe a narrar uma história, é pífia. É tudo tão confuso e obscuro, que necessita ser explicada. Sua forma narrativa, que mistura teatro e música, não consegue dar conta do recado. Os libretos, que anteriormente eram impressos e distribuídos aos ouvintes, foram substituídos por letreiros eletrônicos. Mas a função é a mesma: narrar o que está acontecendo no palco para que os ouvintes não fiquem completamente perdidos.

A história em si é historicamente inexata, geograficamente impossível (a menos que houvessem tapetes voadores), xenófoba, maniqueísta, piegas, cheia de clichês e muito, muito boba.

Como falei no início desse post, não gosto de música lírica. Por isso não vou discorrer sobre a música. Só vou contar que entrei na sala gostando muito do Coro dos Escravos e saí com raiva da música. Afinal, gosto (inclusive e principalmente gosto musical) não se discute. No máximo, senta-se e chora. 

Não lamento as quase três horas que perdi e nunca mais vão voltar porque precisava de ter passado pela experiência de assistir a uma ópera para saber que definitivamente não gosto de ópera.

Por outro lado, confesso ser difícil acreditar que alguém genuinamente goste daquilo. Mas aí lembro que há quem duvide que outra pessoa goste de rock (como eu), ou de sertanejo (como muitos) ou de rap ou de outras músicas. Então é mesmo possível que muita gente goste mesmo de ópera.

Ayn Rand e Freud

Assisti ontem a uma entrevista que Ayn Rand deu para Phil Donahue em 1979 (http://www.youtube.com/watch?v=vpPwJq9ybcE) na qual ela dá detalhes de usa filosofia de vida e econômica, defendendo o livro mercado, a nocividade do altruísmo como filosofia moral e o Estado Mínimo.

De acordo com ela, o Estado deve se ocupar exclusivamente da defesa interna e externa além de um Poder Judiciário para resolver conflitos de forma pacífica. Todo o resto deve ser deixado à iniciativa privada pois, em seu entendimento, em uma economia livre não há monopólios pois monopólios só existem quando há privilégios governamentais para uma determinada empresa ou grupo. Ainda de acordo com sua filosofia, o homem é um ser racional e cujas emoções tem uma base também racional e devem ser checadas de acordo com as premissas e razões subjacentes. 

Li seu livro mais famoso (Atlas Shrugged) quando tinha 23 anos e amei. Concordei com as premissas acima, expostas muito bem e de forma bem detalhada no livro. Mas ao longo dos anos fui ficando com a sensação de que faltava algo. Até começar a fazer psicanálise e a ler sobre psicanálise. E aí entendi o que estava faltando na filosofia de Miss Rand: a irracionalidade humana.

O ser humano não é um ser racional, apesar de ter a capacidade de raciocinar, capacidade essa, diga-se de passagem, pouco usada. O ser humano é regido por emoções cuja existência desconhece na maioria dos casos. Emoções que ficam escondidas em seu inconscientes mas se fazem notar por meio de doenças, neuroses, complexos, manias e problemas de relacionamento. Não adianta tentar racionalizar o que não tem uma razão lógica. E mesmo que fosse possível, as emoções são cegas, surdas e mudas com os argumentos racionais. Experimentar mostrar para uma pessoa que está muito triste que não há razões para ela se sentir tristes, expondo argumentos lógicos e racionais não só não diminuirá a triste mas, muito provavelmente, a deixará com um enorme sentimento de culpa por estar sentindo uma tristeza sem motivos racionais.

E essa foi a grande sacada de Freud: somos governados por emoções que não sabemos que temos e sobre as quais não temos o menor controle. Deal with it.

Sinto que Miss Rand não tenha lido Freud ou, se o leu, não o incorporou em sua filosofia. Imagino o que ela teria tido se o tivesse lido.

Mulheres Peludas

Existe um movimento internacional que defende o direito das mulheres não se depilarem. No Brasil, o projeto se chama "Pelos Pelos" e apresenta fotos de mulheres nuas que deixaram de se depilar em nome da "liberdade de escolha". Essa "liberdade de escolha" seria uma alternativa à obrigada que as mulheres sentem em se depilar.

Será?

Nunca achei que a depilação feminina fosse algo obrigatório. Há países europeus onde as mulheres não se depilam nem no verão. Lembro de um verão que passei em Florianópolis há alguns anos. No mesmo hotel em que me hospedei havia uma família de italianos (pai, mãe e duas crianças). A mulher não tinha as axilas depiladas como todas as outras mulheres na praia (pelo menos que eu tivesse visto). Dois dias depois ela apareceu com as axilas lisas, sem pelos. Não tenho como saber o motivo por detrás da depilação mas acredito que ela percebeu os olhares das pessoas em geral. Mas, no fundo, depilou porque quis.

Quando leio que algumas mulheres não querem se submeter à ditadura da moda, ou do machismo ou seja lá do que e por isso não querem mais se depilar, na realidade o que querem é outra coisa. Querem que sua escolha não provoque determinada reação nas pessoas e, sim, provoquem outras. No caso dos pelos especificamente (isso vale para outras coisas também), querem ser admiradas apesar deles e, também, querem não ser consideradas sujas ou sem higiene. E isso não é possível. A mesma liberdade que garante às mulheres não mais se depilarem, procedimento que nunca foi obrigatório, garante a qualquer pessoa achar o que quiser de pernas e axilas femininas peludas. Liberdade vale para todo mundo e não só para alguns.

E além disso, a forma como nos apresentamos ao mundo não é simplesmente algo "ditado pela moda e por meio do qual alguns ganham milhões". É algo que vai muito além disso. Trata-se de um símbolo que tenta sintetizar quem somos, o que pensamos, o que sentimos e como nos relacionamos com o mundo. Mais do que uma simples "moda", o ato de depilar, ou de usar barbas longas (no caso dos homens) ou de ter o rosto liso, cabelo curto ou comprido, além de inúmeros outros, tem toda uma filosofia por detrás. Quem opta por uma determinada apresentação pessoal, vai ter que lidar com o fato de que a aparência conta, e conta muito e que aquela aparência é um símbolo. E não é algo superficial, uma mera "moda". Em fotos de mulheres anos 30, por exemplo, é praticamente impossível encontrar alguém com cabelo abaixo dos ombros. Todas as mulheres da época tinha cabelo curto. Por que? Por que foi a primeira vez na história ocidental que as mulheres se permitiram cortar o cabelo. Mais do que uma "moda", ter o cabelo curto era a maneira das mulheres dizerem que estavam vivendo no contemporâneo. 

Não se depilar em uma época em que a depilação é um símbolo, implica em ter que lidar com o fato de que o símbolo continuará  o mesmo significado de antes. Tentar mudar o significado é possível mas costuma demorar e nem sempre é dá certo. 

A depilação, a meu ver, tem um significado de feminilidade, uma forma de diferenciar as mulheres dos homens. Um caminho inverso seria os homens começarem a se depilar. O símbolo continuar com o mesmo significado e os homens teriam que lidar com o fato de que seriam considerados femininos. E não poderem fazer nada a respeito antes que o significado do símbolo seja alterado pelo tempo. 

Toda Forma de Poder é Uma Forma de Morrer por Nada





Quando quero ouvir alguma coisa nova, cansada das músicas de sempre, olho as sugestões do genius do Itunes. Ele indica músicas baseadas no que a gente já comprou. Em razão da compra de uma música do Lobão dos anos 80 (Vida Louca Vida) o Genius me indicou Toda Forma de Poder, dos Engenheiros do Hawaii, mais ou menos da mesma época. Já conhecia a banda, onipresente nas rádios na segunda metade dos anos 80 e primeira dos anos 90 e conhecia a música também, mas nunca me atentei para o que dizia. Gostava mesmo era de Infinita Highway.
Comecei a ouvir a música, escrita em 1988, só para ficar encantada com o quanto é atual. E foi aí que pensei: arte de verdade transcende tempo e espaço e vale para qualquer época e situação.

O artista de verdade é aquele cuja obra transcende o tempo e o espaço, indo além do simples domínio da técnica.

Explico. Não importa onde e como a obra de arte foi feita, ela sempre terá algum significado, mesmo que seja séculos depois e em lugares até então desconhecidos. Claro que a obra pode ser datada e dizer respeito apenas a um contexto específico, limitado a um certo tempo e lugar. Na minha opinião, a obra de arte cujo significado se perde fora do contexto em que foi produzida não é uma verdadeira obra de arte mas apenas a produção de alguém que domina a técnica.  A verdadeira transcende o contexto de sua criação. Foi assim com as peças de Shakespeare. Encontramos vários Yagos por aí e muitos Otelos dispostos a acreditar neles, por exemplo.   Tentei assistir um programa do Jô Soares que passava nos anos 80 e normalmente eu não conseguia ver tudo porque terminava muito tarde e eu acordava cedo. Não achei a menor graça porque o humor era calcado na situação econômica (e muito ruim) do Brasil na época, com a filosofia do "apertar o cinto", recessão, pouco dinheiro. Tudo isso visto no auge da economia da época do governo do Lula não tinha graça nem muito sentido.O programa do Jô Soares serve de exemplo de uma obra feita dentro de um contexto específico.

A letra diz assim:

Eu presto atenção no que eles dizem
Mas eles não dizem nada 
Fidel e Pinochet tiram sarro de você que não faz nada
E eu começo a achar normal que algum boçal
Atire bombas na embaixada
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer
Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada
Toda forma de conduta se transforma numa luta armada

A história se repete
Mas a força deixa a história mal contada
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer
E o fascismo é fascinante
Deixa a gente ignorante e fascinada
É tão fácil ir adiante e se esquecer
Que a coisa toda tá errada
Eu presto atenção no que eles dizem
Mas eles não dizem nada
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi

"Eu presto atenção no que eles dizem mas eles não dizem nada."

 Essa frase foi escrita antes da internet e das redes sociais. Podia ser dirigida a políticos (o tom desse verso assim como o da música é politizado) mas vale também para o vazio da fala que dá para notar em qualquer lugar. Falamos, falamos, falamos, falamos e não dizemos nada.

Por fala quero dizer a palavra falada mesmo, escrita mas também os posts infinitos nas redes sociais narrando banalidades do cotidiano (comer, tomar banho, academia, sair, trabalhar ou mostrar foto dos filhos fazendo todas aquelas coisas que qualquer criança normal faz) ou pensamentos que deveriam ser apenas isso, pensamentos. E continuamos falando. 

"Fidel e Pinochet tiram sarro de você que não faz nada".

Fidel não manda mais e Pinochet, além de deposto, já morreu. Mas o simbolismo é ótimo: dois ditadores, um de esquerda outro de direita que dão risada da inércia das pessoas em geral, não só na política mas para tudo. Até as manifestações que aconteceram ultimamente aqui e no mundo em geral são vazias: protesta-se por tudo e por nada. Cada protesto carece de foco e quem protesta parece não ter coragem de ir cuidar da própria vida, sem esperar que alguém (pai, mãe, marido, esposa, estado, governo) cuide de si. Afinal, para alguém ter condições de comprar algo vendido em um shopping, não basta gritar que tem direito a isso, tem que trabalhar para adquirir esse direito.

"E eu começo a achar normal que um boçal atire bombas na embaixada"

A banalização de tudo vai deixando todos nós anestesiados: violência, falta de caráter, corrupção, falta de ética, deslealdade, incongruência, vale tudo. E o que deveria ser esporádico, excepcional, horrendo (simbolizado por bomba na embaixada) passa a ser considerado normal porque acontece sempre.

"Se tudo passa talvez você passe por aqui e me faça esquecer tudo o que eu vi".

Dá mesmo vontade de esquecer tudo, só que isso não é possível. A idéia é aprendermos a lidar com o mundo tal como ele se apresenta e, ao mesmo tempo, modificar ou manter a única coisa que está ao nosso alcance: nossa atitude. Se tornar um boçal vai aumentar a boçalidade. Agir sem ética vai aumentar a falta de ética. E por aí vai.

"Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada"

O poder em si é vazio. Utilizado como a compensação de alguma carência dá mesmo a impressão de que satisfaz. Por pouco tempo. Daí porque quem tem poder quer sempre mais. Também proporciona uma sensação de segurança que é ilusória e temporária, porque segurança, tal como a entendemos, é relativa. Não há uma segurança absoluta, no sentido de permanente e concreta. Por isso que o poder é vazio, na medida em que nos dá a impressão de que temos o controle da nossa vida e da dos outros, controle que não existe de fato ou se existe é muito temporário.

"Toda forma de conduta se transforma em uma luta armada"

Forma de conduta pode ser um código moral, social ou uma religião. E quem está plenamente convicto disso acaba achando que o seu código de conduta não é apenas uma dentre várias opções possíveis mas a única. E costuma tentar impô-la aos outros usando armas das quais dispõe (espadas, fogueiras, bombas no próprio corpo, chantagem, culpa) e tudo vai virar uma guerra. Isso vale para ideologias, religião, moralismo.

"A história se repete mas a força deixa a história mal contada."

Há um disco da banda Extreme, de Boston que se chama III Sides to Every Story. Na parte interna da capa eles falam que há três lados para todas as histórias: o meu, o seu e a verdade. As coisas vão se repetindo sempre, seja na vida particular de cada um seja em âmbito planetário. Mas nunca sabemos mesmo como tudo de fato aconteceu porque quem ganhou a batalha ou a guerra (normalmente quem tem mais força) conta sua versão e ficam faltando as outras duas: a do outro lado e a verdade.

"O fascismo é fascinante e deixa a gente ignorante e fascinada"

Toda forma totalitária tem um certo fascínio senão não cooptaria a colaboração de milhões. A questão foi muito bem explorada pelo psicanalista Erich Fromm em Escape From Freedom. Nesse livro ele analisa como as pessoas buscam regimes totalitários (assim como relacionamentos sado masoquistas) como uma tentativa (vã) de aliviar o sentimento de solidão e desamparo que a condição de ser livre e individual provoca. Mas o fascínio dessas ideologias e religiões tem um preço alto. Faz parte desse preço a perda da autonomia de pensar e decidir os próprios atos, porque normalmente as pessoas são seduzidas e mantidas nessa condição por muito tempo, muitas vezes a vida toda.

" É tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa toda tá errada"

 É o que todo mundo faz, alguns o tempo todo e com tudo, outros com algumas coisas e não com outras. Mas todo mundo tenta ignorar tudo o que está errado para conseguir viver a própria vida sem se sentir angustiado o tempo todo. Mas a negação é ruim. Jogar a sujeira debaixo do tapete não faz a sujeira sumir. Ignorar tudo o que está errado não conserta nada. E continuamos tendo que lidar com tudo isso de uma forma direta porque no final das contas somos afetados por tudo e por todos, mesmo que não pareça.

Gostei ainda mais da música agora, 25 anos depois, do que quando ouvi a primeira vez.