quinta-feira, 11 de junho de 2015
Pelo Direito de Ser Baranga ou Mulheres Equivocadas
A ideia para esse post me ocorreu depois de ler a coluna de Tati Bernardi, na Folha de S. Paulo de 05/06/2015, com o título "Não quero transar". Na coluna, a autora diz que "Mulher mal vestida sofre um bullying que a periguete nem imagina. Se para elas eles buzinam (e fazem aquele barulhinho chato de quem não sabe tomar sopa quente), pra gente aceleram e passam por cima".
Observação: periguete é gíria de dois significados: 1) mulheres com vida sexual ativa e múltiplos parceiros e/ou 2) mulheres que se vestem com saias e shorts curtos, mini blusas, saltos altos, com muita pele à mostra. Já baranga é uma mulher muito feita e/ou mal vestida. A baranga mal vestida pode ser bonita.
A linha de pensamento que permeia a coluna é que mulheres mal vestidas ou feias são odiadas por homens, que não só não buzinam para elas como também "passam por cima". E que as mulheres deveriam ter o direito de não se arrumarem, de serem feias, de não serem femininas, enfim, de não se portarem visando atrair o sexo oposto. Nada mais justo. Não sou contra o pleito dessas mulheres. Quem quer se vestir de forma confortável ligando o dane-se para o sexo oposto, que o faça com os meus aplausos. Como diz minha melhor amiga, cada um é cada um. Ou como diz uma música do Elton John e John Lennon, "whatever gets you through your life".
Mas tenho algumas considerações a fazer a respeito do direito a ser baranga.
A primeira consideração é que homens não odeiam mulheres feias nem barangas. Não atropelam ou fazem bullying. Simplesmente as ignoram, assim como nós, mulheres, ignoramos homens que não nos atraem ou que não consideramos bonitos.
Quanto ao direito de ser baranga, quem é que está proibindo quem de sair de casa mal vestida, com calça moletom GG (para usar o exemplo da coluna)? Ninguém, claro. Porque se houver alguém proibindo, é nítida violação à liberdade de expressão. Não existe regra nenhuma exigindo (ainda bem que não) que alguém se vista dessa ou daquela maneira, como já existiu há nem tanto tempo atrás assim. As mulheres (e os homens também, claro) se vestem como querem.
Mas parece que a colunista se incomoda com o fato de que não é atraente para os homens exatamente por estar mal vestida. "Se para elas (periguetes) eles buzinam (e fazem aquele barulhinho chato de quem não sabe tomar sopa quente), pra gente aceleram e passam por cima". Oras bolas, a partir do momento em que tomamos uma decisão, seja qual roupa colocar naquele dia ou para onde vamos viajar nas férias, as consequências são inevitáveis. Mulheres barangas tem tanta chance de receberem um assobio de aprovação quanto um homem de salto alto, batom e bolsa chanel tem de ser considerado atraente por alguma mulher.
A questão não é de preconceito nem de machismo. É biológica.
Os animais sabem quem é menino ou menina por causa do cheiro. Nós perdemos isso ao longo do nosso processo de civilização. Nosso olfato é muito limitado para nos situar no mundo. O espaço que ele ocupava (e ainda ocupa) na percepção sensorial dos animais, é hoje ocupado pelo olhar. Se muito antigamente eu sabia que aquele outro homus era um menino pelo cheiro, hoje sei que é pelo visual que ele exibe, roupas incluídas. Por conta disso, a pessoa, em regra, vai se sentir atraída sexualmente com relação a determinado parceiro, se aquele parceiro apresentar sinais de que é do sexo oposto. Mulheres vestidas com calça moletom GG (e cujo número correto seria M), boné, cabelo preso e botas coturno, parecem um homem à primeira vista. Se estiverem ao lado de uma mulher de saia, salto alto, batom e cabelo comprido, sua chance de serem admiradas pelo sexo oposto é praticamente nula. O contrário ocorre também. Homens que se vestem com as roupas socialmente convencinadas para os homens (calças sem frufrus, camisas/camisetas, sapatos baixos e sóbrios), serão atraentes para as mulheres, enquanto homens usando vestidos, salto alto e maquiagem não terão nenhum sex appeal (taras à parte, claro).
Por isso, essa história de "direito a ser baranga", "direito a não ser feminina", "direito a não usar roupas de mulher" não é o pleito ao direito a um determinando tipo de vestimenta. É tentar se esquivar a regras que governam a reprodução humana desenvolvidas durante milhões de anos, e que estabeleceu: o animal (incluído o ser humano de tendências heterossexuais) é atraído pelo sexo oposto, e para tanto, precisa saber que aquele outro animal é, de fato, do sexo oposto. E o que antes se fazia pelo cheiro, hoje se faz pelo olhar: roupas femininas e atitudes femininas para elas, roupas masculinas e atitudes masculinas para eles.
sábado, 30 de maio de 2015
O Passado Romântico
Essa frase é dita por Gil Pender, personagem do filme Meia Noite em Paris, de Woody Allen. Gil Pender é autor de roteiros de filmes e está em Paris com a noiva e os pais dela. Sente uma insatisfação na vida e na profissão. No lugar de escrever roteiros preferia estar escrevendo ao lado de Hemingway e outros escritores daquela que acredita ser a melhor década para a literatura: os anos 20. Inclusive porque Hemingway e vários outros moravam em Paris nos chamados "Roaring Twenties".
Gil tem uma visão romântica dos anos 20. Acredita que quem viveu na época era mais interessante, tinha mais densidade, ao contrário da superficialidade das pessoas do presente, preocupadas mais em escolher uma cadeira de 4.000 euros (como sua noiva e a mãe dela) do que passear por Paris.
E é para os anos 20 que Gil vai, depois de entrar em um carro antigo assim que um relógio bate meia noite. Conhece não só Hemingway mas também Picasso, Gertrude Stein, Salvador Dali, Man Ray, Scott Fitzgerald e Zelda. E se apaixona por uma moça, Adriana. Ela, insatisfeita com o próprio presente - os anos 20 tão sonhados por Gil - resolve ir para a Belle Époque, quando (surpresa!) os pintores que encontram em uma espécie de cabaré, sonham com a Renascença. E é nesse momento que Gil tem uma (pequena, de acordo com ele) revelação: ninguém está satisfeito com o próprio presente. E isso acontece porque o presente é um pouco insatisfatório, exatamente porque a vida é um pouco insatisfatória. Adriana decide ficar na Belle Époque. Mas ele volta para o século XXI, põe um fim no noivado e o filme termina com ele caminhando às margens do Rio Sena com uma moça, também do século XXI, que não tem nenhum problema em se molhar quando chove. Tal como Gil.
Lembrei desse filme quando tive uma infecção no ano passado e só comecei a melhorar quando o médico prescreveu antibióticos. Quando passou pela Belle Époque, Gil lembra Adriana que aquelas da Belle Époque sequer tinham acesso a antibióticos, inventados depois. Mas o filme é mesmo uma declaração de amor ao presente e à vida que vivemos aqui e agora porque, afinal de contas, é a única coisa que temos. O passado é só memória, por melhor ou pior que tenha sido. O futuro é apenas uma promessa e, na maioria das vezes, fonte de ansiedade. O presente é tudo. Nossa vida também. Por mais que a vida alheia pareça mais interessante e sem problemas, é a nossa que temos para viver.
Tecnologia ou Telepatia?
É essa a premissa de fundo da série Darkover, livros escritos por Marion Zimmer Bradley a partir de 1962. Ela ficou famosa em épocas mais recentes depois que escreveu As Brumas de Avalon, que conta a história do Rei Arthur sob o ponto de vista das mulheres da história.
A ideia da série Darkover é de que em um futuro próximo, os habitantes da Terra conseguem desenvolver uma tecnologia avançada o suficiente para permitir viagens interplanetárias. Suficiente mas não perfeita, porque uma nave cai em um planeta parecido com o nosso sem qualquer possibilidade de conserto. Os tripulantes começam a interagir com os habitantes do planeta, espécie parecida com as ninfas da mitologia grega. Da relação entre eles nasce uma casta de pessoas com poderes telepáticos. Esses poderes são: troca de pensamentos, empatia (sentir o que o outro está sentindo), penetrar na mente de animais e controlá-los, poderes de influenciar no movimento de objetos. As pessoas dotadas desses poderes se organizaram em castas e a sociedade como um todo se organizou em uma sociedade similar ao sistema feudal daqui. Os poderes telepáticos aparecem na adolescência e as pessoas deles dotadas são treinadas em lugares chamados Torres, onde aprendem a usá-los e controlá-los.
Séculos depois, os habitantes da Terra chegam a Darkover, cujos habitantes esqueceram qualquer relação com nosso planeta ou qualquer memória daquela nave que caiu ali séculos antes.
A série compreende vários livros, sem sequência cronológica ou relacionados uns com os outros, com exceção de dois ou três, que são partes de uma mesma história. Cada livro pode ser lido individualmente, inclusive o que conta como a nave da Terra caiu em Darkover, escrito depois da série já ser um sucesso e para explicar como tudo começou.
Parte dos livros conta como era a sociedade e a relação entre as pessoas em Darkover e, a outra parte, como foi a interação com as pessoas da Terra, depois que o planeta foi "redescoberto" e foi instalada uma base ali, com toda a tecnologia que a Terra desenvolveu até então.
A ideia de que planetas podem ter se desenvolvido sem tecnologia e com outras formas que permitem a evolução sem a dependência das forças naturais é boa. Tenho sempre a impressão de que quando se discute a existência de seres pensantes vivendo em outros sistemas planetários, parte-se do princípio de que tem que ser exatamente como nós, enquanto imagino que as possibilidades de desenvolvimento racional, de pensamento e formas de superar as forças naturais é infinita. É difícil imaginar algo a respeito do que não conhecemos e sem partir de algo para ir além. No Apocalipse, por exemplo, S. João se refere a aviões como pássaros de ferro cuspindo fogo. Ele não fazia ideia do que seria um avião mas para definir o objeto que viu partiu de três coisas conhecidas: pássaro, fogo e ferro. Se não conhecesse nenhum dos três não teria como descrever o que viu, conseguiria muito menos imaginar. O mesmo se passa conosco quando tentamos imaginar outras possibilidades de desenvolvimento de seres inteligentes, sem termos qualquer ponto do qual partir.
Por essas razões a série Darkover me cativou. Além disso, Marion Zimmer Bradley escrevia muito bem. Alguns dos livros da série foram terminados por outra escritora, quando ela já estava em estágio avançado de câncer. Mas são bons também.
PS: a foto do posto é Darkover e suas quatro luas.
domingo, 22 de março de 2015
Semiótica, Politicamente Correto e a Negação da Realidade

Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu?
Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão.
Mateus 7:3-5
Two Lives
Bye Bye Bento XVI
Três Imperadores e a Estrada Para a Primeira Guerra
domingo, 15 de março de 2015
Por Que Virei à Direita? Não Consegui Entender.
Saia Justa
Onde Está o Mal?
O Trem do Fim do Mundo
A Vida, o Universo e Tudo Mais
Lost in Translation
Acorda, Congresso!!!
Primitivo
Moral de Quem? Bons Costumes de Quem?
Mulher Produto e Mulher Troféu
sexta-feira, 13 de março de 2015
PARIS, A CIDADE PSICOATIVA
José Eduardo de Almeida Leonel Ferreira
Paris é psicoativa. Não há propriamente a sensação de estar em uma cidade. Sim, existem ruas, avenidas e calçadas, mas não parecemos passar por elas. Na verdade, nos movemos num ambiente mental que parece ignorar estes detalhes concretos. Há uma forte impressão de que ingressamos, com o correr do dia, no estado de “fluxo”, no qual os fatos se sucedem numa cadeia mental de sensações que parecem ignorar o tempo real e a materialidade das coisas.
Você não conhece Paris, você sente Paris. Você não anda por Paris, você “flui” por Paris. No final do dia, claro, há a lembrança dos museus visitados, da comida perfeita, etc, mas só se você pensar nos fatos isolados. O que é estranho é que, como um todo, os estados mentais é que prevalecem, como em um condição onírica na qual você se lembra do medo, da alegria que teve, mas não do roteiro específico e completo do que sonhou. Paris, como nenhum outro lugar que conheci, parece conseguir rasgar a capa da realidade, esta chata, para te envolver nas brumas de alguma coisa equivalente a uma vivência alternativa, entorpecidamente feliz. Não aquela felicidade imbecil dos comerciais de televisão, intoxicados pela idéia da felicidade adolescente, exultante, eufórica. Não. Falo da felicidade de que nos contava Tom Jobim ao observar, calmamente, belas mulheres passeando em Copacabana e cujo sentido parece ter se perdido nestes tempos de aceleramento compulsório de todas atividades humanas. Falo de uma delicada alteração do espírito no qual a mente se aquieta e várias belezas se acumulam de modo deliciosamente desorganizado e holográfico dentro de nós, para formar a impressão generalizada de que o belo nos intoxicou de tal jeito que rompeu, ainda que momentaneamente, a casca dura e cruel que nos separa dos sonhos.