O presente é insatisfatório porque a vida é um pouquinho insatisfatória.
Essa frase é dita por Gil Pender, personagem do filme Meia Noite em Paris, de Woody Allen. Gil Pender é autor de roteiros de filmes e está em Paris com a noiva e os pais dela. Sente uma insatisfação na vida e na profissão. No lugar de escrever roteiros preferia estar escrevendo ao lado de Hemingway e outros escritores daquela que acredita ser a melhor década para a literatura: os anos 20. Inclusive porque Hemingway e vários outros moravam em Paris nos chamados "Roaring Twenties".
Gil tem uma visão romântica dos anos 20. Acredita que quem viveu na época era mais interessante, tinha mais densidade, ao contrário da superficialidade das pessoas do presente, preocupadas mais em escolher uma cadeira de 4.000 euros (como sua noiva e a mãe dela) do que passear por Paris.
E é para os anos 20 que Gil vai, depois de entrar em um carro antigo assim que um relógio bate meia noite. Conhece não só Hemingway mas também Picasso, Gertrude Stein, Salvador Dali, Man Ray, Scott Fitzgerald e Zelda. E se apaixona por uma moça, Adriana. Ela, insatisfeita com o próprio presente - os anos 20 tão sonhados por Gil - resolve ir para a Belle Époque, quando (surpresa!) os pintores que encontram em uma espécie de cabaré, sonham com a Renascença. E é nesse momento que Gil tem uma (pequena, de acordo com ele) revelação: ninguém está satisfeito com o próprio presente. E isso acontece porque o presente é um pouco insatisfatório, exatamente porque a vida é um pouco insatisfatória. Adriana decide ficar na Belle Époque. Mas ele volta para o século XXI, põe um fim no noivado e o filme termina com ele caminhando às margens do Rio Sena com uma moça, também do século XXI, que não tem nenhum problema em se molhar quando chove. Tal como Gil.
Lembrei desse filme quando tive uma infecção no ano passado e só comecei a melhorar quando o médico prescreveu antibióticos. Quando passou pela Belle Époque, Gil lembra Adriana que aquelas da Belle Époque sequer tinham acesso a antibióticos, inventados depois. Mas o filme é mesmo uma declaração de amor ao presente e à vida que vivemos aqui e agora porque, afinal de contas, é a única coisa que temos. O passado é só memória, por melhor ou pior que tenha sido. O futuro é apenas uma promessa e, na maioria das vezes, fonte de ansiedade. O presente é tudo. Nossa vida também. Por mais que a vida alheia pareça mais interessante e sem problemas, é a nossa que temos para viver.
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