terça-feira, 8 de março de 2016

A Evidência Silenciosa

Até o descobrimento da Austrália, no Século XVIII, acreditava-se que todos os cisnes eram brancos, porque nunca havia sido visto cisne de outra cor. Partia-se da premissa de que se nunca se viu algo, esse algo não existe. A partir dessa ideia, Nassim Nicholas Taleb, que mora nos Estados Unidos mas nasceu e cresceu no Líbano, escreveu um livro chamado A Lógica do Cisne Negro. O que ele chama de cisne negro é o evento imprevisível, de alto impacto e com possibilidade de contextualização apenas em retrocesso e que vai de encontro a previsões ou definições formuladas apenas mediante observações empíricas. 
Em outras palavras: a ausência de cisnes negros demonstrava, para os europeus, a evidência de que todos os cisnes eram brancos enquanto o que deveria demonstrar é que não havia evidência de cisnes de outra cor além do branco. 
Partindo dessa análise, o autor passa a mostrar como nosso conhecimento da história é incompleto e os eventos que acontecem mundo afora são muito mais complexos e aleatórios do que parecem, e que a contextualização em uma narrativa ocorre apenas posteriormente, nunca antes, exatamente por conta da imprevisibilidade.
Das várias ideias elencadas no livro, quero falar a respeito do que o autor chama de Evidência Silenciosa: aquilo que não levamos em consideração ao tomar uma decisão ou analisar um fato.
Para demonstrar o que é evidência silenciosa, o autor conta que após a devastação de New Orleans pelo furacão Katrina, congressistas foram à televisão dizer que auxiliariam financeiramente a reconstrução das casas e da cidade. Obviamente que o auxílio seria com dinheiro público e não com o deles próprios. Só que não disseram de onde viria o dinheiro, quais atividades ou serviços deixariam de receber o dinheiro a ser utilizado na reconstrução. Taleb sugere, para desenvolver sua ideia, que o dinheiro para a reconstrução poderia vir de pesquisas a respeito da cura para o câncer: diminuindo-se o valor dispendido com as pesquisas para transferi-los para as vítimas. O auxílio das pessoas cujas casas foram destruídas, nessa hipótese, seria feito em detrimento dos milhões que sofrem silenciosamente contra o câncer. Esse silêncio a respeito de onde vem o dinheiro e o que deixará de ser pago ou custeado por ele é a evidência silenciosa.
Nada mais comum. A vida está cheia de exemplos
Um benefício trabalhista que as empresas são obrigadas a concederem a seus empregados as impedem de dar emprego para outras pessoas. A exigência de que qualquer liberalidade por parte da empresa com relação a seus empregados passa a ser considerada salário tira o incentivo para tais liberalidades sejam praticadas de forma regular. 
É o que ocorre quando se defende que determinado serviço público deve ser custeada apenas com dinheiro público, sem cobrança de quaisquer tarifas. Quem defende essa prática não leva em conta se o Estado tem esse dinheiro ou de onde virá o custeio. Porque se o Estado não tiver os valores necessários, deverá levantar empréstimos em instituições financeiras ou instituir novos tributos, o que sairá muito mais caro do que pagar pelo serviço em si. Se não fizer nenhuma dessas opções, deixará de custear alguma outra coisa. E o que é essa outra coisa que deixará de ser custeada nunca é levado em consideração quando alguém defende algo assim.
Um exemplo disso foi o protesto realizado em meados de 2013, em São Paulo, contra o aumento das tarifas do transporte público e repetido, em menor escala, no início do ano, liderado por um grupo de pessoas que se autodenomina “Passe Livre”. Transporte tem custo: combustível, salários, tributos, desgastes de veículos, seguros. Alguém tem que arcar com o custo. Ora, se o combustível, salários e manutenção tem aumento, nada mais natural que a tarifa também sofra aumento. A soma é aritmética. Contudo, quem defende a manutenção da tarifa anterior ou a sua eliminação, obviamente conta com o custeio integral do transporte pelo dinheiro público. Sem levar em conta de onde virá esse dinheiro. E sem considerar que se vier de tributos cujo aumento se deu para esse fim, o custo para cada usuário será muito mais caro.
Como bem falou Margaret Tatcher em um discurso, o Estado não tem fonte de renda. O dinheiro com o qual realiza suas atividades provém de empréstimos ou de impostos. Exigir o aumento de gastos públicos sem levar em conta de onde vem o dinheiro é ignorar a evidência silenciosa que Nassim Nicholas Taleb define no livro citado acima. 
A grande questão é que a evidência silenciosa é silenciosa por algum tempo ou a curto prazo. A médio e longo prazo ela sempre vai fazer barulho. Alguém que utiliza o saldo da conta garantida sem maiores problemas, sem levar em conta que está utilizando um empréstimo e considerando vai receber a conta futuramente, com muitos juros.
Todos os governos populistas, que instituem medidas assistencialistas acabam indo à falência exatamente por ignorarem ou não se importarem com ao evidência silenciosa de que os valores para custeio de tudo devem vir de algum lugar. 
 

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