Estou cansada dessa coisa mimimi que anda por aí. Gente que se ofende porque se dá os nomes corretos às coisas. Ou porque a realidade é o que é e não a sala de estar da casa da mamãe com bolinho e chazinho. Vejam bem: o mundo não é e nunca foi nossa zona de conforto. Aliás, se pensarmos bem, zona de conforto é algo bem restrito e que só existe dentro da nossa cabeça.
Mas a existência desse povo mimimi está deixando a coisa tão bizarra que estudantes na Universidade de Harvard, eleita várias vezes a melhor do mundo, estão se sentindo ofendidos com expressões usadas pelos professores. A história foi contada por João Pereira Coutinho na coluna "Como Destruir Um Filho", publicada na Folha de São Paulo em 22/09/2015. E não se trata de palavrões ou palavras de baixo calão. Trata-se de poupá-los de algo que possa perturbar seu bem estar emocional, como utilizar a expressão "violar a lei", porque "violar" é algo ofensivo.
Bem estar emocional é algo ao qual os alunos acreditam piamente que tem direito. E como todos que se arvoram algum direito, também acreditam que alguém (normalmente a família, sociedade, governo, professores) tem a obrigação (não param para pensar de onde esse algo seria retirado nem se realmente tem esse direito) de lhes proporcionar. No caso, bem estar emocional. Algo assim: o professor de literatura deve avisar que na obra O Grande Gatzby de Scott Fitzgerald há misoginia e abusos físicos. Fico imaginando que tipo de preparação se deveria dar aos alunos antes de lerem Uma Canção de Gelo e Fogo de George Martin.
A coluna me veio à memória lendo Conferências Introdutórias à Psicanálise (1916-1917) do grande Freud, publicada pela Companhia das Letras, 2014. Ao falar para uma plateia composta de pessoas de ambos os sexos na segunda década do século XX, ele adverte que vai falar sobre sexo mas que todos ali são adultos, portanto nada de pudores nem de pitis. Transcrevo o trecho: "Como esta é a primeira vez, nestas conferências, que falamos de conteúdos da vida sexual, devo prestar contas aos senhores sobre que tratamento pretendo dar a esse tema. A psicanálise não vê motivo para dissimulações e alusões, julga não ser necessário que nos envergonhemos de abordar assunto tão importante; crê, portanto, que correto e decente é chamar as coisas pelo nome e espera, assim, manter distantes quaisquer pensamentos paralelos perturbadores. O fato de estarmos falando a uma plateia composta de membros de ambos os sexos nada modificará nessa nossa postura. Assim como não existe ciência in usum delphini, tampouco existe ciência para mocinhas, e as damas que aqui se encontram já indicaram mediante sua presença nesta sala de aula que desejam ser equiparadas aos homens".
Falando para uma plateia mista em uma época na qual as mulheres ainda usavam espartilho e saias longas, não costumavam trabalhar e imperava o machismo, as palavras dele adquirem um peso muito diferente do que se tivessem sido ditas hoje. E a referência a mocinhas se deu porque as mulheres na época em que ele viveu eram tão reprimidas sexualmente que desenvolviam uma doença - a histeria - que se confunde, inclusive, com o próprio início da psicanálise. Tratava-se de uma doença com sintomas físicos e psicológicos provocada pela repressão sexual.
Mas com esse mimimi com relação à vida em geral, a capacidade de sair da zona de conforto, de lidar com a realidade tal como ela se apresenta, sem almofadas ou parachoques é algo que temo que acabemos perdendo. Adam Smith disse que a riqueza produzida pela economia de mercado nos transformaria todos em uns mimados. Mas ainda assim, todo esse bem estar proporcionado pela tecnologia (2015 foi o melhor ano da história para o homem médio, conforme a Revista Atlantic) está deixando todo mundo meio bobo. E se ofendendo por nada. E dando pitis.
Imagino o que Freud diria hoje da atitude mimimi de pessoas pós espartilho, pós revolução sexual (anos 60), pós revolução tecnológica, pós internet, pós redes sociais. Talvez falasse que estamos precisando de uma guerra ou duas. De um pouco de realidade. De um pouco de vergonha na cara.