sábado, 30 de maio de 2015

O Passado Romântico

O presente é insatisfatório porque a vida é um pouquinho insatisfatória.

Essa frase é dita por Gil Pender, personagem do filme Meia Noite em Paris, de Woody Allen. Gil Pender é autor de roteiros de filmes e está em Paris com a noiva e os pais dela. Sente uma insatisfação na vida e na profissão. No lugar de escrever roteiros preferia estar escrevendo ao lado de Hemingway e outros escritores daquela que acredita ser a melhor década para a literatura: os anos 20. Inclusive porque Hemingway e vários outros moravam em Paris nos chamados "Roaring Twenties".

Gil tem uma visão romântica dos anos 20. Acredita que quem viveu na época era mais interessante, tinha mais densidade, ao contrário da superficialidade das pessoas do presente, preocupadas mais em escolher uma cadeira de 4.000 euros (como sua noiva e a mãe dela) do que passear por Paris.

E é para os anos 20 que Gil vai, depois de entrar em um carro antigo assim que um relógio bate meia noite. Conhece não só Hemingway mas também Picasso, Gertrude Stein, Salvador Dali, Man Ray, Scott Fitzgerald e Zelda. E se apaixona por uma moça, Adriana. Ela, insatisfeita com o próprio presente - os anos 20 tão sonhados por Gil - resolve ir para a Belle Époque, quando (surpresa!) os pintores que encontram em uma espécie de cabaré, sonham com a Renascença. E é nesse momento que Gil tem uma (pequena, de acordo com ele) revelação: ninguém está satisfeito com o próprio presente. E isso acontece porque o presente é um pouco insatisfatório, exatamente porque a vida é um pouco insatisfatória. Adriana decide ficar na Belle Époque. Mas ele volta para o século XXI, põe um fim no noivado e o filme termina com ele caminhando às margens do Rio Sena com uma moça, também do século XXI, que não tem nenhum problema em se molhar quando chove. Tal como Gil.

Lembrei desse filme quando tive uma infecção no ano passado e só comecei a melhorar quando o médico prescreveu antibióticos. Quando passou pela Belle Époque, Gil lembra Adriana que aquelas da Belle Époque sequer tinham acesso a antibióticos, inventados depois. Mas o filme é mesmo uma declaração de amor ao presente e à vida que vivemos aqui e agora porque, afinal de contas, é a única coisa que temos. O passado é só memória, por melhor ou pior que tenha sido. O futuro é apenas uma promessa e, na maioria das vezes, fonte de ansiedade. O presente é tudo. Nossa vida também. Por mais que a vida alheia pareça mais interessante e sem problemas, é a nossa que temos para viver.


Tecnologia ou Telepatia?

Como seria o mundo se no lugar de tecnologia tivéssemos telepatia?

É essa a premissa de fundo da série Darkover, livros escritos por Marion Zimmer Bradley a partir de 1962. Ela ficou famosa em épocas mais recentes depois que escreveu As Brumas de Avalon, que conta a história do Rei Arthur sob o ponto de vista das mulheres da história.

A ideia da série Darkover é de que em um futuro próximo, os habitantes da Terra conseguem desenvolver uma tecnologia avançada o suficiente para permitir viagens interplanetárias. Suficiente mas não perfeita, porque uma nave cai em um planeta parecido com o nosso sem qualquer possibilidade de conserto. Os tripulantes começam a interagir com os habitantes do planeta, espécie parecida com as ninfas da mitologia grega. Da relação entre eles nasce uma casta de pessoas com poderes telepáticos. Esses poderes são: troca de pensamentos, empatia (sentir o que o outro está sentindo), penetrar na mente de animais e controlá-los, poderes de influenciar no movimento de objetos. As pessoas dotadas desses poderes se organizaram em castas e a sociedade como um todo se organizou em uma sociedade similar ao sistema feudal daqui. Os poderes telepáticos aparecem na adolescência e as pessoas deles dotadas são treinadas em lugares chamados Torres, onde aprendem a usá-los e controlá-los.

Séculos depois, os habitantes da Terra chegam a Darkover, cujos habitantes esqueceram qualquer relação com nosso planeta ou qualquer memória daquela nave que caiu ali séculos antes. 

A série compreende vários livros, sem sequência cronológica ou relacionados uns com os outros, com exceção de dois ou três, que são partes de uma mesma história. Cada livro pode ser lido individualmente, inclusive o que conta como a nave da Terra caiu em Darkover, escrito depois da série já ser um sucesso e para explicar como tudo começou.

Parte dos livros conta como era a sociedade e a relação entre as pessoas em Darkover e, a outra parte, como foi a interação com as pessoas da Terra, depois que o planeta foi "redescoberto" e foi instalada uma base ali, com toda a tecnologia que a Terra desenvolveu até então.

A ideia de que planetas podem ter se desenvolvido sem tecnologia e com outras formas que permitem a evolução sem a dependência das forças naturais é boa. Tenho sempre a impressão de que quando se discute a existência de seres pensantes vivendo em outros sistemas planetários, parte-se do princípio de que tem que ser exatamente como nós, enquanto imagino que as possibilidades de desenvolvimento racional, de pensamento e formas de superar as forças naturais é infinita. É difícil imaginar algo a respeito do que não conhecemos e sem partir de algo para ir além. No Apocalipse, por exemplo, S. João se refere a aviões como pássaros de ferro cuspindo fogo. Ele não fazia ideia do que seria um avião mas para definir o objeto que viu partiu de três coisas conhecidas: pássaro, fogo e ferro. Se não conhecesse nenhum dos três não teria como descrever o que viu, conseguiria muito menos imaginar. O mesmo se passa conosco quando tentamos imaginar outras possibilidades de desenvolvimento de seres inteligentes, sem termos qualquer ponto do qual partir.

Por essas razões a série Darkover me cativou. Além disso, Marion Zimmer Bradley escrevia muito bem. Alguns dos livros da série foram terminados por outra escritora, quando ela já estava em estágio avançado de câncer. Mas são bons também. 

PS: a foto do posto é Darkover e suas quatro luas.